Fã de futebol desde Joel, Rubens, Índio, Benitez e Esquerdinha —o “rolo compressor” do Flamengo na primeira metade dos anos 50—, tenho levado os últimos dois séculos acompanhando a evolução dos rituais nas chamadas quatro linhas. Que são mais do que quatro, se contarmos as linhas que marcam o meio do campo, a grande e a pequena área, o grande círculo, o semicírculo e o quarto de círculo. Mas as linhas não mudam. Os rituais, sim.
Ao entrar em campo, os craques saíam de um túnel subterrâneo e subiam a escada correndo, cada time de uma vez, sob os foguetes e bandeiras de sua torcida. Hoje os times saem lado a lado, marchando funereamente em direção a uma bola entronizada pouco adiante —que é recolhida com cerimônia pelo juiz, embora seja apenas uma das várias bolas do jogo, que não se sabe onde ficam. Em compensação, quase não há mais bandeiras e foguetes e, por causa da pandemia, nem torcida.
Fui testemunha das mudanças na comemoração dos gols, desde o soco no ar por Pelé ao punho cerrado de Reinaldo, do Atlético Mineiro, e o dedo na boca por Romário fazendo psiu, além de cambalhotas, estrelas, piruetas, saltos mortais e as atuais coreografias. Mas minha comemoração favorita é quando, com a bola na rede do adversário, os jogadores fazem uma roda e dão pulinhos de alegria, como crianças. Mesmo que por um momento, é a volta do futebol ao reduto de onde talvez nunca devesse ter saído: a infância.
Já admirei todos os movimentos possíveis de habilidade, malícia, agilidade, coragem e velocidade. São passos de dança. Hoje praticam-se gestos antes impensáveis, como o fulano assoar o nariz na camisa do clube, chutar o microfone ao ser substituído e sofrer uma falta e sair rolando como se esquartejado.
E ainda estou para ver aquilo que os comentaristas dizem de certos jogadores —que eles flutuam em campo. Uma qualidade que eu achava exclusiva de beija-flores, pipas e drones.
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