Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Samuel Pessôa

Biden mexe na tributação sobre o capital

O presidente parece mudar um navio que estava na rota da redução do Estado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Desde os anos 1980 existe uma tendência de redução da tributação sobre os lucros das empresas. Surgiu toda uma literatura acadêmica segundo a qual a alíquota de imposto sobre a renda do capital deve ser muito baixa, no limite nula.

Capital é um fator que se acumula, resultado de esforço de trabalho e de poupança, cujo crescimento eleva a renda do trabalho. O mais eficiente é tributar a renda do trabalho e o consumo.

Além da teoria, a elevação da mobilidade do capital entre países instaurou guerra fiscal com seguidas reduções de impostos para atrair investimento.

Joe Biden, o presidente dos EUA, aprovou no Congresso ambicioso pacote fiscal de 9% do PIB, para enfrentar o segundo ano da epidemia. Adicionalmente prepara audacioso programa de investimento em infraestrutura, The American Job Plan, para os próximos anos.

Para financiar o gasto e dar sustentabilidade à dívida pública, o Ministério da Economia dos EUA, conhecido por Departamento do Tesouro, prepara elevação da tributação sobre o lucro das empresas.

Essa foi uma agenda que não avançou nem no governo Clinton nem com Obama. Foi a grande ausente no período em que vigorou a chamada “Terceira Via”. Não sabemos como o Congresso se pronunciará. Mas a ação do Executivo é um começo.

Alguns fatos podem ter mudado a maré: o reconhecimento de que a redução da tributação do capital explica parte da piora da desigualdade nos últimos 40 anos; novos resultados teóricos que alteram os teoremas dos anos 1980 de alíquota nula sobre a renda do capital; e, finalmente, a percepção de que a renda do capital tem adquirido a natureza de retorno sobre o talento e menos sobre o esforço de trabalho e de poupança.

Difícil saber exatamente o que ocorre, mas parece que Biden muda um navio que desde os anos 1980 estava na rota da redução do Estado e, principalmente nos EUA, da carga tributária.

A proposta aumenta o imposto sobre o lucro das empresas de 21% para 28%. Segundo o documento oficial, é importante elevar a alíquota pois nos EUA, em razão de inúmeras desonerações, a renda do capital, na prática, não é tributada na pessoa física.

Assim, seria justificada alíquota maior na pessoa jurídica, como, aliás, ocorre no Brasil, onde a alíquota já é de 34% (e 40% para empresas do setor financeiro).

A nova legislação americana eliminará incentivos tributários que hoje estimulam as empresas a gerar lucro e produzir, ambos em outros países.

Haverá esforço coordenado dos EUA com os países da OCDE para que se institua uma alíquota mínima de imposto sobre a renda do capital. Se uma país adotar alíquota menor, os demais cobrarão a diferença.

Em particular, o governo americano não aceitará deduções de impostos pagos em países que aplicam alíquota menor do que a alíquota mínima.

O imposto de subsidiárias atuando em outros países será calculado país a país, o que eliminará a possibilidade do planejamento tributário de localizar as atividades mais custosas em países com alíquota elevada e, dessa forma, gerar prejuízos, que compensam o lucro de atividades mais rentáveis, localizadas nos países que menos tributam.

A ação mais radical é a criação de uma alíquota mínima de 15% sobre o lucro contábil. O lucro contábil é o lucro apurado para efeito de distribuição de dividendos aos acionistas e, em geral, baliza parcela, ao menos, da remuneração dos executivos.

O lucro contábil costumeiramente é superior ao lucro tributado, fato que também ocorre no Brasil. Uma série de isenções e de políticas de incentivo a esta ou aquela atividade criam uma diferença, que pode ser muito elevada, entre esses dois conceitos de lucro.

Há casos, segundo o relatório do Tesouro, de empresas com enormes lucros apresentarem prejuízo para efeitos de tributação.

Vigora nos EUA estímulo para que a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a produção de patentes se localizem em solo americano.

O lucro acima de uma taxa-base de lucratividade é atribuído aos intangíveis e é tributado com uma alíquota menor. Assim, há estímulo para que as atividades com os tangíveis, que apresentam menor retorno sobre a capital, se localizem fora dos EUA, de sorte a elevar a taxa de lucro nas atividades nos EUA.

Acaba por estimular a produção fora dos EUA, mesmo que não seja o mais eficiente. Biden trocará essa diferenciação por um estímulo direto à atividade de P&D.

Vejamos como o Congresso se pronunciará.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.