"Ouvis nos campos rugirem esses ferozes soldados? Eles vêm até nós, degolar nossos filhos, nossas mulheres. [agora vem o refrão…] Às armas, cidadãos, formai vossos batalhões. Marchemos, marchemos. Nossa terra do sangue impuro se saciará."
Esta é parte da letra do hino francês, com a melodia mais linda do mundo, mas a letra… Como se vê, não é exatamente um hit de Sandy & Júnior. Digamos que seja um "pátria amada, idolatrada, salve, salve" com roteiro de Quentin Tarantino, sem céu risonho e límpido.
A Marselhesa —que nasceu como um canto militar e foi adotado como hino— é também uma das marcas dos Jogos de Paris.
O francês blasé de antes das Olimpíadas abraçou a delegação em sua melhor campanha da história da competição —excetuando a aberração dos Jogos de 1900, quando fizeram vários pódios com ouro, prata e bronze; aliás, eles fazem questão durante as partidas olímpicas de exaltar os Jogos de 1924, mas ninguém dá pelota para os de 1900.
Dito isso, até a conclusão destas linhas, a França já estava com 49 medalhas na conta, 13 de ouro.
São 16 pódios a mais do que em Tóquio-2020, ou 6 a mais que em Pequim-2008, as melhores Olimpíadas em quantidade depois de 1900. Em ouro, ainda estão atrás de Atlanta-1996 (15 a 13), mas estão chegando.
E outras medalhas estão asseguradas, como a do vôlei masculino, após derrotar a Itália, com Marselhesa. No futebol masculino, idem, com direito a estrela do professor-monsieur Thierry Henry e vingança contra a Argentina —se bem que a vitória nas Olimpíadas nunca apaga a derrota na Copa.
No basquete masculino, o time do unicórnio Victor Wembanyama enfrenta a campeã mundial Alemanha, com chances de passar para a final. Nas quartas, contra o Canadá, passaram boa parte do jogo com dianteira confortável. E quando os canadenses ameaçaram uma reação, lá veio ela, a Marselhesa. Em seguida, cesta de três francesa.
Com as mulheres, também estão na semifinal do basquete e do handebol.
Até no surfe, alguém deve ter cantado a Marselhesa embaixo d’água, no Taiti, porque o ouro ficou com Kauli Vaast, não exatamente o moço mais cotado antes dos Jogos.
A torcida empurrou qualquer sujeito-atleta com escudo francês no judô, enlouqueceram na esgrima, no belo Grand Palais, e impulsionaram até o mesa-tenista Alexis Lebrun.
Na natação, o jovem Léon Marchand, 22, foi alçado à categoria de ídolo após faturar quatro medalhas de ouro e uma de bronze —o país Marchand estaria na frente do Brasil no quadro de medalhas.
A Marselhesa para Marchand foi antes, durante e depois. Nos dias após as conquistas, desfilou a medalha orgulhoso para uma plateia ainda mais orgulhosa, seja no Club France, no Parc de La Villette, seja no Trocadéro, no Parque dos Campeões.
E nos 400 m com barreira do atletismo? Todos diziam que o pódio estava certo, como o de Tóquio-2020, só precisava definir a ordem: Karsten Warholm (Noruega), Rai Benjamin (EUA) e Alison dos Santos (Brasil).
Porém, quem aparece com pinta de querer estragar a brincadeira? Um francês, claro, Clément Ducos, do grande clã Ducos. Só para deixar a nossa vida "très difficile".
Ops, a França ganhou a 50ª medalha. Como diria desde a Copa de 1998 o amigo José Henrique Mariante, também desta Folha e também em Paris, eles já começam a ganhar no hino, "marchez, marchez".
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.