Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Sobre homens e lobbies

Palavra nascida na arquitetura nomeia atividade inseparável da política

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Em sua coluna de quarta-feira (26) nesta Folha, Hélio Schwartsman falou sobre os lobbies que "estão a toda, tentando cavar uma regaliazinha na reforma da Previdência".

Lobby, como se sabe, é aquilo que o Houaiss define como "atividade de pressão de um grupo organizado (de interesse, de propaganda etc.) sobre políticos e poderes públicos, que visa exercer sobre estes qualquer influência ao seu alcance, mas sem buscar o controle formal do governo".

Vale acrescentar que muitas vezes, além de se referir à atividade, como registra o dicionarista, lobby é o nome que se dá ao próprio grupo de pressão. 

Mas até que ponto aquilo que nomeia é ilegítimo? Um rápido passeio pela história da palavra, que importamos do inglês em algum momento impreciso do século passado, ajuda a responder a essa pergunta. 

O substantivo lobby —hoje grafado quase sempre no Brasil sem o itálico dos termos estrangeiros, embora sua grafia nunca tenha sido aportuguesada— nasceu no vocabulário da arquitetura.

Foi decalcado em meados do século 16 do latim medieval "lobia" ou "laubia", palavra que tinha o sentido de "área coberta diante de um monastério". Lobby passou então a designar qualquer vestíbulo amplo, em especial na entrada de prédios públicos. Um sinônimo de antecâmara, foyer, hall etc.

E como a palavra passou da arquitetura à política? Por um processo tão fértil quanto corriqueiro chamado metonímia. Os grupos de pressão que aguardavam os parlamentares saírem do plenário nos lobbies das casas legislativas, ávidos por contatos que fizessem avançar seus interesses, passaram a ser chamados de lobbies também. 

O primeiro registro dessa acepção num dicionário americano data de 1808, o ano em que D. João VI chegou ao Brasil. Em sua esteira veio o verbo homônimo, que aqui traduzimos como "fazer lobby".

A palavra ainda demoraria bastante a entrar em nosso vocabulário corrente, obrigada a esperar o século 20 e a anglofilia desvairada vinda em seu bojo.

Isso não quer dizer, é claro, que antes disso não houvesse no Brasil grupos organizados que se dedicavam a influenciar representantes do poder público. O dito popular "Quem não chora não mama", mais antigo que a palavra entre nós, expressa a essência do lobismo.

Tudo indica que o lobby é inseparável da política, e não apenas em regimes democráticos. Embora não seja sinônimo de atividade ilegítima ou duvidosa, o fato de se situar na fronteira nebulosa entre o público e o privado faz dele terreno fértil para corrupção e tráfico de influência.

É interessante notar que, apesar de manter sua grafia refratária a adaptações trazida da língua de origem, lobby deu cria por aqui —e seus filhotes parecem termos da língua portuguesa.

Desde aproximadamente 1980, segundo o Houaiss, têm livre curso entre nós os vocábulos lobismo, lobista e lobístico. Grafados assim mesmo, sem "b" dobrado ou sombra de ípsilon, como se de família lusófona fossem.

Trata-se de um tributo que as palavras importadas, mesmo as que mantêm para sempre estampada na testa sua estrangeirice, pagam ao ganharem visto de residência no idioma local.

"Siga o dinheiro", método de investigação da corrupção política, é uma frase popularizada pelo filme "Todos os Homens do Presidente", sobre o escândalo de Watergate, que derrubou Nixon. "Siga a cocaína" pode ser classificada como uma de suas variantes.

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