Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu forças armadas

O general e os motivos do porquê

Junto com a Lei da Anistia, devemos revogar a gramática normativa?

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"Somos abissolutamente (sic) transparente (sic) nos nossos julgamento (sic). Então aquilo aí (sic), a gente já sabe os motivos do porquê (sic) que isso tem acontecendo (sic) agora, nesses últimos dias aí, seguidamente, por várias direções, querendo atingir Forças Armadas..."

O modo como o general Luís Carlos Gomes Mattos, presidente do Superior Tribunal Militar, torturou a gramática normativa da língua portuguesa em seu pronunciamento de terça (19) não é, claro, mais relevante do que o sentido de sua fala.

O protagonismo é do conteúdo desdenhoso com a dor dos cidadãos brasileiros massacrados pela tortura como política de Estado que levou à gangrena moral de um naco das Forças Armadas durante a ditadura militar.

O general Luís Carlos Gomes Mattos, presidente do Superior Tribunal Militar, torturou a gramática normativa da língua portuguesa em seu pronunciamento
O general Luís Carlos Gomes Mattos, presidente do Superior Tribunal Militar, torturou a gramática normativa da língua portuguesa em seu pronunciamento - Alan Marques - 17.ago.11/Folhapress

A pesquisa do historiador Carlos Fico revelada pela jornalista Miriam Leitão, ela própria vítima de tortura na juventude, representa conhecimento histórico básico e indispensável para qualquer país que deseje ter instituições —entre elas as Forças Armadas— cada vez mais decentes e justas.

Como propôs o vizinho Marcelo Coelho em sua brilhante coluna de ontem, se o pessoal vai sair arrotando orgulho da maldade diabólica que fermentou nos porões da ditadura —truque de animador de torcida fascista ensinado em 2016 pelo deputado do baixo clero que acabaria presidente—, que se revogue a Lei da Anistia.

Mas vamos voltar à gramática. Em primeiro lugar, convém reconhecer que é muito feio apontar o dedo para os famigerados "erros de português" alheios.

Mesmo porque, na maioria das vezes, o que se considera "erro crasso" —e até prova de deficiência intelectual do falante— é a manifestação de uma gramática alternativa, igualmente válida em termos estruturais, ainda que destituída de prestígio social.

Ninguém precisa ler, embora fique mais ilustrado se o fizer, o best-seller "Preconceito Linguístico" (Parábola), de Marcos Bagno, para saber que estamos falando de um poderoso aparato de controle social embutido na língua. Não, a norma culta não é só isso —mas é isso também.

Ou seja, deve pensar duas vezes antes de zombar do "abissolutamente" do general quem se incomoda quando um guardião da língua-padrão aponta o dedo para os "adevogados" que frequentam o discurso do Lula.

Também deve ser compreensivo com aquelas concordâncias de número alternativas ("somos transparente nos nossos julgamento") todo mundo que viu histeria e falta de senso na grita que a imprensa aprontou em 2011 contra o livro didático "Por uma Vida Melhor", aquele que trazia como exemplos de gramática popular construções como "os livro" e "nós pega o peixe".

No entanto, depois de ponderar tudo isso, fica faltando explicar por que o discurso do presidente do STM continua soando incômodo, incongruente —e mais estridente do que um toque de clarim.

Isso se deve ao fato de que não deveria se expressar assim quem, como apregoou o general Gomes Mattos na mesma fala, acredita ser responsável por cuidar "da disciplina, da hierarquia que são nossos pilares (das) nossas Forças Armadas".

Registro linguístico é contexto. Um discurso tão "eivado de solecismos" —para usar um clichê apreciado por patrulheiros gramaticais— vira escárnio quando proferido por autoridades que buscam vender uma imagem de competência, zelo conservador e defesa das boas tradições da pátria. Vale-tudo, não!

Ou então que se revogue a gramática normativa junto com a Lei da Anistia.

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