Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

É preciso salvar as baleias e as palavras!

Projeto de adoção de termos raros do inglês acabou extinto antes deles

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A primeira vez que, adolescente, encontrei a palavra "coruscante" foi num livro do Erico Verissimo. A segunda e a terceira também. Na verdade, acho que nunca encontrei nada que coruscasse fora de um livro do Erico Verissimo. Talvez isso signifique que a palavra está em extinção.

Se coruscante morrer, caindo em completo desuso, vou ficar triste. Não porque a considere uma palavra indispensável. Pensando bem, nunca a usei —sempre que a ocasião se apresentou, dei preferência a um de seus sinônimos.

E a turma é grande. Reluzente, brilhante, faiscante, resplandecente e até —não posso garantir, mas é possível caso a ocasião peça um rebuscamento do tipo pernóstico— aquele fúlgido do Hino Nacional sempre terão preferência em meu vocabulário ativo.

Trecho de 'Olhai os Lírios do Campo', de Erico Verissimo
Trecho de 'Olhai os Lírios do Campo', de Erico Verissimo - Reprodução

Impossível negar: se acabar extinto o adjetivo amado por Erico, um escritor que eu amo, não poderei protestar inocência. Serei tão culpado quanto qualquer um por seu óbito. Mas faz sentido falar em culpa?

Isso de apego a palavras é curioso. Sendo entidades vivas, e ainda por cima íntimas a ponto de serem acariciadas com a língua, é inevitável que a gente crie laços afetivos com elas. Por outro lado, não há muito que possa ser feito quando uma coletividade de falantes decide virar a página e mudar a prosa.

É reveladora a história do projeto Save the Words, um programa online de "adoção" de palavras da língua inglesa que, ligado ao dicionário Oxford, fez algum sucesso em 2010.

O discurso de venda do Salvem as Palavras chegava a ser apelativo: "Todo ano, centenas de palavras são expulsas da língua inglesa. Palavras antigas, palavras sábias, palavras trabalhadoras. Palavras que um dia levaram vidas cheias de sentido, mas hoje estão sem uso, mal-amadas, rejeitadas".

Um pouco de estatística logo temperava o sentimentalismo: "Hoje, 90% de tudo o que escrevemos é comunicado por 7.000 palavras. Você pode mudar isso. Ajude a salvar as palavras!".

Como? Navegando no site e, numa lista de termos a caminho do esquecimento, escolhendo um para adotar. A página inicial era dramática: uma multidão de palavras pregadas num mural em papeizinhos coloridos disputavam a atenção do visitante aos gritos: "Eu! Eu! Eu!".

Caso você não quisesse exercer seu direito de escolha, quem sabe para não magoar os vocábulos preteridos, o programa lhe atribuía uma palavra por sorteio. Já não me lembro por qual desses caminhos acabei à beira de adotar "mowburnt".

Felizmente, recuei. Adoção é coisa séria, ainda que, no caso, ela envolvesse apenas o compromisso de usar a palavra sempre que possível.

Me toquei a tempo de que, no meu dia a dia, as ocasiões para o emprego de "mowburnt" (adjetivo usado para a colheita arruinada por excesso de calor num celeiro) seriam menos que abundantes.

Boas intenções não impediram o projeto Save the Words de ser extinto antes mesmo das palavras que ele buscava proteger. Hoje, é como se nunca tivesse existido.

O site do Oxford silencia sobre ele. O endereço que o abrigava redireciona você para um site de jogos de azar na Indonésia.

Isso parece fazer o maior sentido, embora não seja simples dizer qual. Seja como for, a ideia de adotar palavras para que não desapareçam era provavelmente tola desde o início, apesar de simpática.

Tentarei me lembrar disso toda vez que bater aquele desejo incontrolável de criar uma reserva ecológica para reproduzir "inconsútil" em cativeiro.

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