Shireen Mahdi

Economista principal do Banco Mundial para o Brasil e doutora em economia pela Universidade de Manchester (Reino Unido)

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Reforma tributária: atenção para o tema da desigualdade

Decisões pendentes precisam ser baseadas em evidências para aumentar progressividade da proposta

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No dia 7 de julho de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de emenda constitucional (PEC 45/2019) que estabelece a primeira fase de uma reforma tributária histórica no país.

A nova legislação modifica substancialmente a tributação sobre o consumo no Brasil, através da implantação de um imposto sobre valor adicionado (IVA) dual, que substituirá cinco tributos atualmente em vigor. Se a adoção do IVA tem o potencial de aumentar a progressividade do sistema fiscal brasileiro, contribuindo para a redução de persistentes desigualdades no país, há ainda decisões fundamentais a serem tomadas, que podem ter impacto significativo no poder de compra das famílias. Essas decisões precisam ser baseadas em evidências.

Entre as decisões fundamentais que ainda estão pendentes está a da alíquota geral do IVA dual sobre o consumo e a escolha dos setores da atividade econômica que serão contemplados com uma isenção parcial de 60% sobre a alíquota geral. Provavelmente mais importante para as famílias vulneráveis é a isenção total do IVA sobre produtos de uma cesta básica de alimentos, que será definida através de lei complementar. A definição dos produtos que farão parte da referida cesta é uma etapa central da reforma e uma parte-chave de seu potencial impacto na desigualdade do país. Aqui podemos recorrer aos dados para informar essa decisão crucial.

Deputados e senadores reunido em gabinete, em pé, com Lira e Pacheco segurando um livro com o texto da PEC
Arthur Lira entrega a Rodrigo Pacheco o texto de PEC que simplifica o sistema tributário - Jonas Pereira/Agência Senado

Um trabalho do Banco Mundial que será publicado em breve compara diferentes cenários de implementação da reforma e chega a três conclusões principais.

Primeiro, a redução do IVA padrão nos setores de educação e saúde leva a uma redução da regressividade dos impostos indiretos, sendo que esses setores representam uma parte significativa do consumo das famílias de baixa renda.

Segundo, a isenção da cesta básica teria um impacto ainda maior na redução da regressividade do sistema baseado no IVA.

Terceiro, se somente alguns itens da cesta básica fossem isentos do IVA e um mecanismo de cashback fosse aplicado para beneficiar as famílias registradas no Cadastro Único, o sistema poderia ter a mesma arrecadação que no cenário anterior, mas o impacto na redução da desigualdade seria ainda maior.

A ideia de cashback já está prevista na atual proposta em tramitação. No nosso estudo, simulamos um cashback que em vez de isentar todos os produtos da cesta básica, que são consumidos pela ampla maioria da população, estabelece a alíquota plena do IVA sobre tais itens –por exemplo aqueles que são principalmente consumidos pelos mais ricos– e com a receita tributária advinda da não isenção devolve parte do valor pago em impostos sobre o consumo para os mais pobres. Dessa forma, o cashback poderia ter um efeito muito maior sobre o aumento da progressividade do sistema fiscal brasileiro do que a isenção total de itens de uma cesta básica. Além disso, os resultados se mantêm mesmo quando se considera diferentes alíquotas gerais para o IVA.

Mulher com criança no colo e cesta básica durante a pandemia - Getty Images

A aprovação da reforma tributária depois de 30 anos de tramitação no Congresso é uma importante conquista para o país. O modelo proposto aproxima o Brasil do melhor padrão internacional de tributação sobre o consumo, adotado em diversos países e tido como um instrumento para aumentar a eficiência da economia doméstica. Fazer uso de evidências para informar o debate e a definição dos temas que ainda precisam de decisão será crucial para que a reforma entregue seu potencial de redução de desigualdades.

Favorecer a realização de estudos técnicos com o intuito de contribuir para o ajuste fino da regulamentação e de mecanismos como o cashback parece uma escolha promissora para mitigar o lobby de grupos de interesse e, assim, caminhar em direção a uma reforma que torne o sistema fiscal mais justo e eficiente.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Gabriel Lara Ibarra, economista sênior, e Otavio Conceição, consultor.

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