Sílvia Corrêa

É jornalista e médica veterinária, com mestrado e residência pela Universidade de São Paulo.

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Sílvia Corrêa
Descrição de chapéu STF casamento

STJ decide se casal separado tem direito à visita de animal de estimação

Administrador de sistemas entrou com pedido inédito para poder visitar cachorra yorkshire

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Rodrigo Fortes

A Justiça brasileira está a dois votos de uma decisão inédita: reconhecer o direito de visita a casais separados que têm animais de estimação.

No centro da discussão está Kimi, uma cachorrinha da raça yorkshire, de nove anos, que vive na capital paulista.

Ela foi comprada em 2008 por um administrador de sistemas e uma maquiadora, que viviam juntos desde 2004.

Ia com os dois para cima e para baixo –do restaurante ao trabalho. Até que, em julho de 2011, após sete anos de união estável, o casal se separou.

No começo, tudo foi bem. Kimi chegou a morar com ele, enquanto ela dava um rumo à nova vida. Depois, mudou-se para a casa dela e recebia periodicamente as visitas dele.

Mas, poucos meses depois, por aqueles motivos que só os casais separados entendem, a mãe de Kimi –sim, era assim que o casal se apresentava– passou a proibir as visitas do ex-marido.

O pai não gostou. E, em janeiro de 2015, entrou com uma ação contra a ex-mulher na 2ª Vara Cível do Fórum do Tatuapé.

“Foi por mim mesmo, pela falta que eu sentia dela. Eu não tenho vergonha de dizer: para mim, Kimi é uma filha”, responde Vinicius Mendroni, 41 anos, quando questionado se foi à Justiça por ele ou por Kimi.

"Quando Vinicius me procurou, eu fui em busca da jurisprudência, mas não havia nada", conta o advogado Franco Mauro Russo Brugioni, que representa o administrador de sistemas no processo. 

"A legislação atual entende que os bichos são bens e devem ser partilhados. Houve separação? Quanto custou o animal? Quem ficar com ele deve reembolsar a parte que está abrindo mão do pet e assunto encerrado. No papel, é simples, mas a gente sabe que esse entendimento já não atende a muitas famílias brasileiras", diz Brugioni.

Foi a partir da ideia de que a lei precisa contemplar usos e costumes que o advogado construiu a tese que chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). "Não se pode aplicar normas sem olhar as mudanças sociais. Os animais de estimação são, hoje, tratados como filhos por muitas famílias", sustenta o advogado.

Sim, são, mas a lei não afirma isso, rebate a ex-mulher no processo.

Foi aí que entrou em cena um princípio jurídico segundo o qual, na ausência de previsão legal explícita, as regras existentes devem ser aplicadas por analogia –se cabe visita aos filhos com os quais se tem vínculo de afeto, cabe visita a um animal que ocupe esse lugar e que nem de longe figure como um objeto. 

"Se você for pego destruindo seu taco de beisebol, problema seu. Mas, se você for pego agredindo seu animal de estimação, isso é crime. Portanto, não são objetos sujeitos às mesmas regras", exemplifica Brugioni.

O juiz de primeira instância deu de ombros para os argumentos da defesa do pai de Kimi: rejeitou a ação por inépcia –termo técnico aplicado às causas que são absurdas por algum motivo (nesse caso, por se tratar de algo que nem está previsto no ordenamento jurídico).

Mas Vinicius não desistiu. E pediu que o advogado recorresse ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

O caso caiu nas mãos do desembargador J. L. Mônaco da Silva, da 5ª Câmara de Direito Privado. E Mônaco, advinhe...?! Concordou com a tese de Brugioni.

Na decisão, o desembargador reconhece que a relação afetiva entre humanos e animais não está regulada em lei, mas afirma que, atualmente, o vínculo é notório, citando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, segundo a qual há 74 milhões de cães e gatos nos lares brasileiros contra 45 milhões de crianças até 14 anos.

Diante desse cenário, escreve Mônaco, é preciso que a resolução do conflito leve em conta o fato de o animal ter sido adquirido com a função de proporcionar afeto, não riqueza patrimonial, o que tem semelhança, segundo ele, com o conflito de guarda e visitas de crianças e adolescentes.

“Foi exatamente isso”, diz Vinicius. “Nós compramos Kimi porque éramos jovens, casados há pouco tempo, sem condições de ter filhos. Ela veio para ocupar esse lugar.”

Mônaco concedeu a Vinicius o direito de visitar Kimi a cada 15 dias e em feriados, de forma alternada, além de permitir que ele participe mais ativamente da vida do animal, levando Kimi ao médico, ao banho e para onde mais ela precisar ir.

Era abril de 2016. Após cinco anos de proibição, Vinicius reencontrava Kimi. “Foi demais. Isso me balançou”, diz ele.

Foi então a vez da ex-mulher recorrer ao STJ, pedindo a suspensão das visitas.

O julgamento começou na última terça-feira. O placar estava dois a um a favor do direito de visita, quando o ministro Marco Buzzi pediu vista do processo.

Faltam dois votos. Não se sabe quando virão.

Vinicius ainda pode ser proibido de ver Kimi, mas, se não for, o Brasil entrará no seleto grupo de países formado por Inglaterra, Áustria, Alemanha, Suíça e outra meia dúzia nos quais a Justiça entende, expressamente, que o animal não é coisa.

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