Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

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Descrição de chapéu Folhajus

Uma genealogia da polêmica

O polemista se diverte em falar absurdos e pontificar sobre temas que não estuda

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A confusão das últimas semanas sobre o que foi a escravidão no Brasil – a qual esta Folha deu guarida - remeteu-me a uma entrevista de Michel Foucault concedida a Paul Rabinow no ano de 1984, e que faz parte do livro “Foucault’s reader”. Esta mesma entrevista foi publicada no Brasil no volume V de “Ditos e Escritos” (Forense Universitária), sob o título “Polêmica, Política e Problematizações”.

Na mencionada entrevista, Foucault trata da distinção entre polêmica e problematização. Quando indagado sobre o porquê de se manter afastado de polêmicas, respondeu:

“Gosto de discutir e trato de responder às perguntas que me fazem. Não gosto, é verdade, de participar de polêmicas. Se abro um livro em que o autor taxa um adversário de 'esquerdista pueril', fecho-o imediatamente. Essas não são as minhas maneiras de fazer; não pertenço ao mundo daqueles que delas se utilizam. Em relação a essa diferença, considero uma coisa essencial: trata-se de toda uma moral, aquela que se refere à busca da verdade e à relação com o outro”.

Foucault assevera que em um debate baseado “no jogo sério de perguntas e respostas” e “no trabalho de elucidação recíproca”, o “direito” das partes provém da própria discussão, é “imanente ao diálogo”. Assim, àquele que pergunta é assegurada a possibilidade de duvidar, de apontar a contradição, de estabelecer “problematizações” a um determinado campo do saber. Já a quem responde, há a garantia de sempre poder retornar ao argumento inicial, de rever as bases de suas ideias e de expor-se ao questionamento do outro.

É, nas palavras de Foucault, “um jogo simultaneamente agradável e difícil em que cada um dos parceiros se esforça para só usar os direitos que lhe são dados pelo outro e pela forma de diálogo convencionada”.

O termo “polêmica”, para Foucault tem um sentido deletério, e não um sentido democrático como pode parecer. A polêmica, na acepção dada pelo pensador francês, caracteriza-se pela produção de um discurso totalmente descompromissado com o diálogo ou com um processo de busca da verdade.

O polemista, nesse sentido, é um arruaceiro epistemológico. Não é sua intenção provocar o pensamento ou tirar as pessoas da sua zona de conforto intelectual. O polemista é o pistoleiro bêbado no saloon dos velhos filmes de faroeste: atira no pianista, rouba no pôquer e ataca quem aponta suas tramoias; é responsável pela garrafada que dá início ao tumulto, e que depois trata de ficar só assistindo com um leve sorriso nos lábios.

O polemista se diverte em falar absurdos e pontificar sobre temas que não estuda; o que ele quer é chocar e agredir tendo em vista seu grande propósito de vida: interditar qualquer possibilidade de diálogo e inviabilizar, o tanto quanto possível, a política.

O polemista tem como móbil a guerra. Isso significa que ele está pouco se lixando para a lógica ou para a ética. Na verdade ele não está interessado no que o outro diz ou escreve. O polemista é um “não-leitor” por excelência, pois se tivesse a dignidade de ouvir ou de ler seu pretenso interlocutor, estaria ele dentro de um diálogo, mas este é um lugar em que ele, definitivamente, não quer estar.

“Não tem diante dele um parceiro na busca da verdade, mas um adversário um inimigo que está enganado, que é perigoso e cuja própria existência constitui uma ameaça”, diz Foucault sobre essa figura.

Ao fim e ao cabo, o polemista não quer aproximar seu interlocutor de uma verdade, por mais difícil que esta possa ser. O que ele quer, de fato, é vencer a qualquer custo, nem que precise a todo tempo reabrir debates nos quais suas posições mostraram-se infundadas.

Nesse sentido, se a polêmica é como diz Foucault “uma figura parasitária da discussão e um obstáculo à busca da verdade”, o polemista é sempre um autoritário, um adorador da mentira e, quase sempre, um argentário.

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