Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Controlar a inflação é sempre uma tarefa desafiadora

Seria melhor enfrentar atual momento com juros globais menos estimulativos e políticas fiscais mais ajustadas

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A alta da inflação provou ser um processo muito mais persistente e difundido do que os grandes bancos centrais previam. Em 15 dos 34 países classificados como economias avançadas pela Perspectiva Econômica Mundial do FMI, a inflação em 12 meses até dezembro de 2021 estava acima de 5%, episódio que não era visto há mais de 20 anos. Em 78 dos 109 países emergentes, a inflação anual também está acima de 5%. Essa parcela é cerca de duas vezes maior do que a registrada no fim de 2020.

Pode-se dizer que o fenômeno é global –ou quase isso, já que a China e o Japão estão imunes até agora. De certo, há diversos fatores comuns entre os mais diversos países, como o aumento dos preços das commodities. Em janeiro de 2022, as cotações do petróleo superavam em 77% os níveís de dezembro de 2020, enquanto o preço das commodities agrícolas subiram 35% no mesmo período. Seja por causa das interrupções das cadeias globais afetadas pela pandemia, das políticas monetárias e fiscais extremamente estimulativas ou da busca acelerada pela energia limpa, o fato é que todas as possíveis razões para a alta das commodities estão durando mais do que o esperado.

Preços de combustíveis em posto em São Paulo - Filipe Araujo - 31.dez.2021/AFP

O grande problema do conceito de inflação globalizada é que ela está associada a choques exógenos, em geral vistos como passageiros, o que dificulta um diagnóstico preciso e turva a prescrição de como os bancos centrais deveriam agir. Não foram poucos os bancos centrais a utilizar a justificativa da inflação ser global para retardar a retirada dos estímulos monetários. No entanto, entender as idiossincrasias do processo inflacionário em cada país é essencial para efetivamente baixar a inflação.

Nos emergentes, a depreciação cambial contribuiu significativamente para o processo inflacionário. Nesses países, as expectativas de inflação são menos ancoradas e mais sintonizadas com os movimentos cambiais, sem contar seu histórico de inflação alta e âncoras fiscais frágeis, o que resulta em uma inércia inflacionária maior. Não por outro motivo, alguns emergentes entenderam que o fenômeno não era totalmente global ou transitório e começaram a apertar suas políticas monetárias consideravelmente no ano passado. Contudo, o enfraquecimento da âncora fiscal diminui a potência da política monetária e o processo desinflacionário fica mais lento.

Enquanto a maior parte dos emergentes ainda conta com uma capacidade ociosa em suas economias, nos EUA, na Inglaterra e em alguns países da Zona do Euro o diagnóstico de superaquecimento demorou a ser reconhecido. Nos EUA, em particular, diferentes indicadores do mercado de trabalho têm sugerido um cenário de aquecimento, com pressões salariais fortes, há algum tempo. Teoricamente, a política monetária teria de ser apertada a fim de gerar uma desaceleração da atividade econômica capaz de conter a transmissão dos choques de oferta e da alta dos salários para os demais preços.

No entanto, hoje há dúvidas sobre qual a disposição do Fed (Federal Reserve) para "sufocar" a recuperação, considerando que ele continua adicionando estímulos via compra de títulos, mesmo após abandonar o discurso de inflacão transitória. Outro fator de desconfiança é seu mandato dual focado no desemprego e, mais recentemente, na distribuição de renda. Trazer a inflação de mais de 7% para algo próximo a 2% sem gerar recessão é algo nunca visto antes na história. A credibilidade do Fed está sendo questionada e pode resultar em um processo também mais lento de queda da inflação nos EUA.

Os últimos acontecimentos na Ucrânia sugerem um cenário mais complexo. Uma nova rodada de alta nos preços de importantes commodities constituiria, nas circunstâncias de um possível conflito, em um choque estagflacionário. Nesse caso, maiores serão as chances de estímulos fiscais adicionais (como a redução de impostos sobre energia, já em discussão em vários países), de queda dos salários reais e de desaceleração do crescimento mundial –e maior será a incerteza em relação à política monetária norte-americana.

Se já não estava fácil prever quando a inflação voltaria aos patamares pré-pandemia, a conjuntura torna a tarefa mais complexa no curto prazo. Tanto para emergentes quanto para desenvolvidos, seria melhor enfrentar o atual momento com juros globais menos estimulativos, políticas fiscais mais ajustadas, inflação mais baixa e bancos centrais com mais credibilidade.

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