Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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O vale-tudo tem hora para acabar

Quem quer que seja eleito não poderá abrir mão de um ajuste significativo

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No fim do ano passado, muitos analistas esperavam que o populismo fiscal se esgotasse com a aprovação da PEC dos Precatórios. A "intocabilidade" do teto de gastos foi comprometida para permitir a triplicação do gasto com o Bolsa Família; mas tudo na vida tem um preço, e as leis que restringem o gasto em ano eleitoral seriam um anteparo para 2022.

Ledo engano. Mal começou 2022, e nós já vimos uma avalanche de propostas irresponsáveis. Os analistas mais uma vez não dão muita importância, de olhos apenas na corrida eleitoral e na expectativa de mudança. Ignoram que o país está cada vez mais vulnerável e que as condições iniciais da economia em 2023 determinarão o tamanho do ajuste necessário, sua velocidade, seu escopo e sua chance de sucesso.

As PECs para aliviar a alta de combustíveis através da redução de impostos tendem a ser só o começo da farra fiscal. Há propostas de instituir o auxílio-diesel, subsídios para o transporte público e aumento do vale-gás. Tais programas estariam isentos da meta de primário, do teto de gastos e da regra de ouro. Ainda na fila das medidas populistas, temos o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, a possibilidade de redução do IPI sobre bens duráveis e o novo Refis.

Cédulas de real São Paulo - Gabriel Cabral - 21.ago.2019/Folhapress

O mercado mal reage a tantas estripulias, envolto na euforia do aumento de fluxo estrangeiro na Bolsa e da apreciação do real. Afinal, o que importa é que elegeremos um presidente hábil, centrista, que formará um governo imbuído de responsabilidade social e fiscal. Através de ajustes graduais de algumas despesas, de elevação da carga tributária e de uma ampla base de sustentação no Congresso, o eleito diminuirá a incerteza econômica gerada nos últimos dois anos. Com a confiança restaurada, os juros cairão, e o Brasil voltará a crescer.

Outra ilusão. O atual senso comum não só é contraproducente como será de pouca valia no começo de 2023. Contraproducente porque abre espaço para uma piora aparentemente ilimitada das contas fiscais. De pouca valia porque todos os episódios históricos de consolidação fiscal que reestabeleceram a estabilidade de preços e o crescimento do PIB não se deram por expectativas favoráveis, mas sim a partir de um conjunto de ações.

O problema é que a ideia segundo a qual o estrago de hoje pode ser contornado facilmente nos próximos anos não se sustenta. Condições monetárias, fiscais e econômicas do começo do processo de ajuste importam.

Em geral, consolidações graduais não são bem-sucedidas em situações de níveis elevados e crescentes de dívida e em ambiente de baixo crescimento com altas taxas de juros. Emergências fiscais exigem ajustes rápidos e significativos. Para compreender a extensão do ajuste necessário ao longo dos próximos anos a fim de estabilizar a relação dívida/PIB, precisaremos de um aumento equivalente a 4% do PIB no resultado primário. Isso será muito desafiador no contexto da ampla rigidez orçamentária e das crescentes pressões de gastos relacionadas ao rápido envelhecimento da população e ao aumento da desigualdade.

A composição do ajuste fiscal também importa para a probabilidade de seu sucesso. Ajustes baseados em cortes de gastos são muito menos onerosos e mais bem-sucedidos do que aqueles baseados em aumentos de impostos. Se a consolidação proposta consistir preponderantemente em impostos de baixa capacidade arrecadatória, como o de grandes fortunas, a credibilidade do ajuste se esvairá rapidamente.

A experiência também sugere que regras fiscais aumentam a probabilidade de estabilização da dívida, dada a relutância dos governos em se comprometer com a disciplina fiscal em condições adversas. Não só já abrimos mão de nossas regras como não vemos vontade de reestabelecê-las nas candidaturas favoritas. E, mesmo que esse seja o caso, qual é a credibilidade de um novo teto de gastos? Uma vez alterada a regra por conveniência, será difícil reconstruir sua credibilidade.

Quem quer que seja eleito precisará mostrar que o choque de confiança veio para ficar, não podendo abrir mão de um ajuste significativo, do reestabelecimento de uma regra fiscal crível e do controle do Orçamento. O benefício da dúvida ao próximo governo está sendo dado, mas tem prazo de validade. Expectativas positivas sempre ajudam, mas não são garantia de um final feliz para um filme de horror visto de olhos fechados.

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