Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Para consertar o estrago que o 'jeitinho' faz, fisioterapia

Após romper tendões que prendem os músculos da perna à bacia, tive de reaprender a usar o membro

Não, tem coisa que só o tempo não cura: é preciso enfiar o dedo e fazer doer para ficar bom de novo. Aprendi da pior maneira possível. 

Um ano e meio atrás, feliz nova usuária de óculos progressivos, pisei em falso descendo a calçada e quase me estabaquei. Antes tivesse tomado o tombo: amparei todo o peso de surpresa na perna direita e, agora sei, rasguei essencialmente todos os tendões que prendem os músculos de trás da perna à bacia. Vi estrelas, fiquei com um baita hematoma na coxa e os movimentos limitados. Levantar da cadeira? Só devagarzinho. Correr, nem pensar.

Um ano depois, pensando que o tempo teria resolvido o assunto, fui dar uma corridinha para aproveitar um sinal aberto... e a perna não foi. A dor voltou com tanta fúria que eu joguei a toalha: fui ao ortopedista.

Clínica de fisioterapia localizada no Rio de Janeiro
Clínica de fisioterapia localizada no Rio de Janeiro - Ricardo Borges/Folhapress

Ganhei uma aula sobre auto-organização, um dos meus temas favoritos. As fibras dos tendões regeneram rapidamente, sim —mas, se deixadas ao sabor do tempo, crescem de qualquer jeito, amontoadas, desorganizadas. Como os neurônios do cérebro, elas somente tomam forma e ficam alinhadas se usadas com sucesso: no caso, se forem submetidas repetidamente à tensão no sentido certo, contra o encurtamento dos músculos associados. 

Lá fui eu para a fisioterapia, pela primeira vez na vida. Primeira lição: aprender a massagear os tendões profundos com meu próprio peso sobre uma bola de tênis. Isso aumenta a circulação no tecido e o deixa pronto para a segunda etapa: alongamento passivo, seguido de lições para... reaprender a usar a perna.

A culpa é do cérebro, num daqueles exemplos de emendas que destroem o soneto. Com os tendões rasgados, os músculos só encontram uma corda esfiapada para puxar, e a perna estropiada perde força. O cérebro, esperto como um brasileiro, rapidamente aprende a usar rotas alternativas: ficar de pé somente na perna boa, usar outras combinações de músculos para andar, manter a perna contraída de maneiras até então impensadas para evitar mais tensão nos tendões. Resultado: o “jeitinho” começa a causar dor constante.

De fato, a fisioterapeuta descobriu que eu estava usando vários músculos para levar a perna para trás —menos os músculos corretos. O tratamento? Reeducar o cérebro. “Contrai este músculo aqui”, me diz ela com o dedo enfiado na minha perna. Fiz várias tentativas, como se tentasse levantar só uma sobrancelha na frente do espelho, até encontrar o caminho certo do cérebro ao músculo. Reaprendido o caminho, agora é colocar peso nos tendões até recuperar a força. O jeitinho é o diabo...

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