Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Por uma arquitetura com menos linhas retas

Ausência de curvas deixam o cérebro hiperestimulado, tenso

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As montanhas desertas de Antofagasta logo em frente ao mar foram uma visão inesperada à saída do aeroporto, e imediatamente aconchegante. Minutos mais tarde, a calmaria mental havia dado lugar a ansiedade. O que mudou no trajeto? Chegamos nos arredores da cidade, e a visão das formas arredondadas foi interrompida por um mar de linhas perfeitamente paralelas e ângulos retos ocupando a encosta até o litoral.

O enorme saguão coberto da Universidade Erasmus, em Rotterdam, foi um choque semelhante de desconforto: lindo e cuidadosamente planejado —mas todo em listras, das muitas janelas delineadas às escadas e balaustradas com grades pretas contra as paredes brancas. Muitos anos antes, Palmas de Tocantins, cidade planejada com ruas perfeitamente perpendiculares, havia-me causado o mesmo desconforto.

Linhas retas predominantes em estrutura arquitetônica
Linhas retas predominantes em estrutura arquitetônica - saebaryo/Flickr

O que há de tão calmante em curvas naturais, e tão agressivo nas linhas retas regulares da arquitetura de tantas cidades modernas? Pedro Maldonado, neurocientista da Universidade do Chile, sediada em uma área de ruas deliciosamente curvas e arborizadas em Santiago, explica. Na época em que éramos colegas de estudos sobre a visão, o estímulo visual preferido nos laboratórios de neurofisiologia eram padrões de listras deslizantes, que provocavam atividade furiosa de neurônios visuais no cérebro. Estudávamos esses disparos, então era útil ter muitos, muitos deles em nossos registros.

Ao contrário, Pedro hoje estuda como estímulos visuais em cenas cotidianas causam um alinhamento do momento exato em que neurônios disparam um primeiro e único potencial de ação. “Aquelas listras que usávamos eram insanas, causavam uma atividade surreal, que não é normal no nosso mundo visual”, diz.

“Exceto em nossas cidades modernas”, saí pensando de seu laboratório. Enchemos nossos horizontes de listras verticais regulares que deslizam na horizontal quando nos deslocamos nas cidades. Intencional ou não, o efeito é o mesmo: deixar o cérebro hiperestimulado, tenso. Não é à toa que a natureza é calmante. Até a mais reta das árvores ainda é irregular.

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