Pandemias ensinam muito. A desgraça imediata é só o começo; a ciência continua aprendendo com os que sobrevivem. Nesse aspecto, Brasil e EUA estão fazendo sua parte e dando uma grande contribuição para a ciência da próxima década.
É uma questão de matemática básica que não precisa de doutorado para entender: quanto mais cobaias forem infectados, mais oportunidades teremos para observar não só como o vírus age e detona células variadas em graus variado mas também para aprender princípios básicos até então impensados, sobretudo com os infectados sobreviventes e sequelados, aqueles que se consideravam assintomáticos.
Veja a pandemia de 1919. Graças a ela aprendemos que adormecer não é um processo passivo, que para acontecer basta procurar um lugar tranquilo e fechar os olhos. Não: a alternância natural de sono e vigília depende de uma gangorra funcional entre duas partes do hipotálamo.
Sabemos isso graças aos nobres participantes de manifestações, paradas, festas e demais aglomerações que, pouco mais de um século atrás, tiveram a sorte de não sucumbir da gripe ou seja lá quais foram de fato os vírus circulantes na ocasião, já que não havia testes de PCR ou anticorpos na época e perdemos uma grande oportunidade de saber mais. Mas já estou divagando.
Voltando ao assunto: o vírus da vez arrasou com os jovens, boa parte saudáveis, então uma boa parcela dos sortudos infectados não morreu logo de cara, o que os mais oportunistas dos cientistas souberam aproveitar.
Um deles, o romeno Contantin von Economo, trabalhava como médico no Hospital Geral de Viena, na Áustria, e notou que durante a pandemia, vários sobreviventes tinham o sono radicalmente alterado -- mas de maneiras diferentes.
Uns ficaram num estado de estupor e sonolência constante; outros, insones. Conforme morreram, von Economo comprovou o que suspeitava: mesmo quando o vírus da vez não matava, ele destruía partes diferentes do hipotálamo, daí a sonolência ou a insônia.
O suíço Walter Hess pegou a deixa e comprovou que bastava estimular uma ou outra parte do cérebro para fazer um animal acordar ou adormecer.
Não sabemos o que será descoberto graças aos cobaias brasileiros, mas temos grandes chances. Já sabemos que o vírus da vez tem, sim, potencial de infectar o cérebro. O olfato, por exemplo, vai embora. Com só um pouquinho de sorte, a neurociência reconhecerá em livros num futuro não muito distante os valentes esforços dos brasileiros para se tornar campeão de cobaias infectadas. Quem quer ser mais um e entrar para a história?
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