Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

A economia do cérebro é limitada pela oferta local

Pela artéria carótida interna sempre passa o mesmo volume de sangue por segundo

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Não é de hoje que guerras se travam com cercos econômicos. A diferença é que aos cercos físicos, que impediam as populações sitiadas de deixar suas cidades para trazer comida e outros recursos, hoje se juntaram restrições à passagem de recursos financeiros intangíveis. Mas o princípio é o mesmo: o funcionamento de sistemas vivos complexos depende de fluxos de energia e matéria, e interromper esses fluxos é maneira garantida de extinguir primeiro a complexidade, e logo em seguida, a vida.

Estava contando semana passada que eu e meu colega Douglas Rothman, da Universidade Yale, demonstramos recentemente que também a economia do cérebro é limitada pelo fluxo de energia e matéria, na forma da circulação sanguínea que abastece neurônios e as células gliais que os acompanham com oxigênio e nutrientes. Até então, nossos colegas supunham ser a circulação sanguínea cerebral abundante o suficiente a ponto de não ser limitante. Assim como músculos que entram em ação recebem mais sangue, neurônios mais ativos também deveriam receber mais energia, oras. E pronto: não há que se preocupar com fornecimento e cadeias de distribuição no cérebro.

Mulher olha para imagem de ressonância magnética
Mulher olha para imagem de ressonância magnética na exposiçaõ "Brains: mind of matter", em Londres - 27.mar.2012 - Miguel Medina/AFP

Seria ótimo se fosse verdade. Na prática, descobrimos que o funcionamento do cérebro é duplamente limitado. Na entrada de sangue pela artéria carótida interna, que sempre passa o mesmo volume de sangue por segundo, e na distribuição local. O cérebro é como uma cidade servida por uma única avenida por onde passam todos os carros, em fluxo constante, que são os distribuidores exclusivos de toda a comida e água a cada uma das casas à beira de todas as ruas. Um engarrafamento na avenida principal é catastrófico, claro.

Mas uma cratera ou bloqueio em qualquer rua também é imediatamente desafiador, sobretudo porque as casas desta cidade consomem imediatamente toda a água e comida que conseguem retirar dos carros conforme eles passam. Mal há sobras ou reservas. Aterrador, não?

A imagem explica por que a neurociência clínica começa a se preocupar com a saúde dos capilares, as ruas do cérebro, além das grandes artérias, ou avenidas, que vem sendo o foco de pesquisa sobre isquemias e infartos.

Mas há bem mais implicações. Doug e eu sugerimos que a economia do cérebro é tão limitada pela distribuição de recursos que um esforço a mais aqui é possível, sim —às custas de uma redução momentânea ali, sempre. A dedicação prioritária de recursos cognitivos a um foco, que nós chamamos de atenção, talvez seja justamente o resultado inevitável desse toma lá dá cá de sangue no cérebro.

Ao longo do tempo, então, somos limitados pelo trânsito de sangue em nossos capilares cerebrais a aprender uma coisa de cada vez. Dedicar atenção a duas coisas ao mesmo tempo é impossível. Nossos neurônios são poderosos, mas o cérebro só pode funcionar em série.

Só consigo pensar em como isso torna nosso tempo ainda mais precioso.

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