Tabata Amaral

Cientista política, astrofísica e deputada federal por São Paulo. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito.

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Coronavírus Vida Pós-Vírus

Retomada em SP: consciente ou inconsequente

Retorno à normalidade deve ser, sobretudo, deixar de perder vidas aos milhares

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Passados quase três meses de quarentena, é natural que estejamos todos ansiosos para que a vida volte ao “normal”, mas esse desejo não pode se resumir à nossa rotina de trabalho e a compras em shoppings ou na rua 25 de Março.

O retorno à normalidade deve significar, antes de qualquer coisa, que deixamos de perder vidas aos milhares para o coronavírus. Nesse ponto, a chamada “Retomada Consciente” do estado de São Paulo vai na direção oposta.

Apresentada como um plano de reabertura em cinco fases, parece se tratar mais de uma concessão às expectativas de varejistas, atendidas dois dias antes do feriado de Corpus Christi e do Dia dos Namorados, do que uma decisão guiada por evidências científicas.

A cidade de São Paulo, a mais populosa e a mais afetada pela Covid-19, já liberou a abertura de shoppings, concessionárias e escritórios. Porém, a capital paulista cumpre apenas 2 dos 6 critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde para o relaxamento do isolamento social.

Entre os critérios não atendidos, está o mais básico: garantir que a transmissão do vírus esteja controlada. No dia 10 de junho, logo antes da reabertura, o estado de São Paulo teve um novo recorde de mortes, registrando 340 mortes em 24h e 6.178 novos casos.

A atual taxa de transmissão do coronavírus, que continua acima de 1, significa que o número de casos e mortes continuará aumentando em grande velocidade, situação que deve piorar com a reabertura.

Reconheço as iniciativas da prefeitura e do governo estadual de abrir novos leitos e estabelecer protocolos de segurança para lojas e locais públicos. No entanto, essas ações, sozinhas, não são suficientes.

Vimos, na semana passada, os principais pontos de comércio da cidade com filas e aglomerações nas ruas, o que torna tais protocolos inócuos. Nossos ônibus continuam lotados, e é raro que todos os passageiros viajem sentados, com a distância mínima indicada pelas organizações de saúde.

Além disso, São Paulo tem dimensões de um país, e isso precisa ser levado em conta. Basear as decisões em médias de ocupação de leitos e tratar as regiões centrais e periféricas como se estivéssemos falando de uma única realidade é aprofundar as nossas muitas desigualdades.

O vírus, que foi importado e atingiu primeiro as regiões mais nobres, hoje se alastra nas periferias. Enquanto não levarmos em consideração as diferentes realidades enfrentadas pela população paulistana, qualquer plano será especialmente prejudicial aos mais vulneráveis.

Antes de se falar em “Retomada Consciente” em São Paulo, precisamos de uma política de rastreamento de contágio —que já foi utilizada na epidemia da tuberculose no Brasil e, mais recentemente, na Nova Zelândia e Coréia do Sul— com testagem em massa e consequente isolamento e controle das pessoas infectadas.

Para isso, é preciso garantir a disponibilização de abrigos para aquelas pessoas que estão infectadas e com saúde estável, mas que, por diversas razões, não podem fazer o isolamento em casa, bem como o aumento de frotas de transporte público para que as pessoas consigam se deslocar em segurança.

Nosso dever, enquanto legisladores e governantes, é representar a todos e todas. Ao se dobrar às pressões de alguns poucos grupos econômicos e optar pela flexibilização do isolamento social, o Estado, mais uma vez, trata a vida de negros, pobres e periféricos como se valessem menos, se esquecendo que, enquanto o coronavírus for uma ameaça para um grupo, ele continuará sendo uma ameaça para todos.

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