Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Avança o rompimento tecnológico entre China e EUA

Foi-se o tempo em que os dois queriam promover suas exportações de alta tecnologia a qualquer custo

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Impensável dez anos atrás, o processo de divórcio tecnológico das duas maiores potências do mundo está em curso. A questão é saber até onde vai o desmantelamento dos vínculos entre China e EUA e quão abrangente e profundo será.

Foi-se o tempo em que os países queriam promover suas exportações de alta tecnologia a qualquer custo.

Em 2019, os EUA proibiram empresas americanas de fazer negócios com várias chinesas, incluindo a Huawei, referência em tecnologia 5G, e a Megvii, especializada em inteligência artificial e reconhecimento facial.

Ficou para trás também a época em que eram praticamente irrestritas as boas-vindas a investimentos estrangeiros. De olho na China, uma lei de 2019 conferiu poderes adicionais ao comitê que, nos EUA, aprova esses investimentos. 

Acendeu o sinal amarelo para aquisições, por empresas chinesas, que pudessem facilitar o acesso a tecnologia ou a dados de cidadãos americanos (ou seja, quase tudo). Em 2019, a plataforma chinesa TikTok, sucesso absoluto entre adolescentes americanos, entrou na mira desse comitê.

2019 foi o ano de a ficha cair para a China. Convenceram-se de que não conseguiriam evitar o divórcio tecnológico e de que não poderiam ficar ao sabor das vontades de Washington. 

Os sinais de que a relação andava mal já estavam claros em 2018, quando os EUA aplicaram sanções à empresa ZTE, uma das estrelas da tecnologia chinesa de telecomunicações. Como o assunto entrou no pacote de uma negociação, e o problema foi resolvido, alguns na China queriam acreditar que outras questões dessa natureza pudessem ter o mesmo desfecho. 

O próprio presidente Donald Trump alimentou essa esperança ao sugerir que as restrições impostas à Huawei poderiam fazer parte de negociações comerciais. 

Mas essa onda rapidamente ficou para trás. A desconfiança e o incômodo dos EUA com o avanço da tecnologia chinesa são de tal magnitude que a questão perdeu valor como moeda de barganha. A competição tecnológica acabou se firmando como ponto central das tensões entre China e EUA. 

Muito da chamada guerra comercial é na verdade uma disputa tecnológica —esse é o real motivo do divórcio, e é sobretudo aí que o descolamento acontece. 

Apesar do acirramento das tensões em várias frentes, o chamado “decoupling” deve ser parcial. O recém-firmado acordo comercial ilustra esse ponto. Os EUA brigaram para vender mais para a China, para abrir o mercado chinês de serviços financeiros, para facilitar a vida das empresas americanas interessadas em fazer mais negócios no país. Pode não ser o amor que Trump proclamou pela China em Davos, mas tampouco o sinal aí é de divórcio.

Seria fácil —e equivocado— simplesmente tratar como incoerente a política americana para o país asiático. Embora os sinais sejam frequentemente truncados, a orientação que prevalece hoje é de fazer com que o descolamento seja seletivo, parcial, afinal os EUA seguem interessados nos ganhos que a China lhes rende e temem os impactos de um rompimento absoluto.

Ao mesmo tempo, por motivos estratégicos, os EUA tentarão reduzir sua dependência em relação a certas tecnologias chinesas, buscarão retardar avanço tecnológico do país e tenderão a exagerar riscos para segurança nacional sempre que se tratar de China, afetando desde a venda de drones à concessão de vistos para eventos acadêmicos. 

O desafio para o mundo é evitar que o mal se aprofunde e se espalhe.

Um “decoupling” total, mesmo na área tecnológica, teria consequências graves. Em outras áreas, os efeitos seriam desastrosos também —basta pensar num “decoupling” financeiro, envolvendo, por exemplo, a exclusão de todas as empresas chinesas da bolsa americana. 

Em 2020 o mundo terá uma ideia melhor da extensão e da profundidade do rompimento. Com o resultado das eleições americanas em novembro, terá indicações mais claras do que ainda virá.

Uma coisa é certa —divórcio será litigioso, custará caro e terá grandes implicações geopolíticas.

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