Xiaoyi havia estudado 2 milhões de casos médicos, 400 mil artigos científicos, além de dezenas de livros. Depois de ter sido reprovada uma vez, em 2017 finalmente passou no exame nacional que permite o exercício da medicina na China. Tirou 7,6 na prova —precisava de 6.
Para júbilo de seus criadores na empresa chinesa iFlytek e na Universidade Tsinghua, Xiaoyi finalmente demonstrou capacidade de ponderar, fazer inferências e tirar conclusões corretas. Xiaoyi —ou pequena médica, em mandarim— tornou-se símbolo do progresso chinês no emprego de inteligência artificial na medicina.
Também em 2017, o governo anunciou o Plano de Desenvolvimento de Inteligência Artificial da Próxima Geração. O objetivo é tornar a China líder mundial em inteligência artificial (IA) até 2030.
Com todo o progresso da China nos últimos 40 anos, seu sistema público de saúde claramente deixa a desejar. O país tem proporcionalmente poucos médicos, e os hospitais mais bem avaliados estão sobrecarregados.
Não surpreende que a China esteja determinada a usar novas tecnologias para pular etapas —assim como saltou de pagamentos em dinheiro diretamente para pagamentos pelo celular, sem passar pelo cartão de crédito.
Tendência no pré-pandemia, os esforços na área de medicina e inteligência artificial foram intensificados diante do novo coronavírus. Um modelo desenvolvido pela Ping An Technology, por exemplo, teria ajudado a prever novos surtos da Covid-19 com precisão de 90%, facilitando a ação das autoridades das províncias de Chongqing e Shenzhen.
Chamadas de voz operadas por IA contribuíram para contatar rapidamente possíveis contaminados pelo coronavírus. Em cinco minutos, cerca de 200 chamadas eram feitas, o que, manualmente, levaria de duas a três horas, segundo Sarah Dai, do South China Morning Post.
Como em outros países, profissionais da saúde passaram a contar com IA para ajudar na triagem de pacientes, decidindo quem internar e quem mandar de volta para casa. Algoritmos têm sido treinados com uma enormidade de dados —incluindo imagens de tomografias computadorizadas de tórax— e emitem opinião baseada em padrões que passam a identificar. Com hospitais abarrotados e testes de Covid-19 escassos, ferramentas de IA foram usadas como suporte para decisões que precisavam ser tomadas em pouco tempo.
A China tem vantagens competitivas em IA. Kai-Fu Lee, autor de "As Superpotências da Inteligência Artificial” (ed. Relógio D'Água), conclui que o país se sai bem nos quatro fatores para o sucesso na área: cérebros, capital, regulação e dados.
A vantagem mais óbvia dos chineses está na quantidade imensa de dados que produzem. No país mais populoso do mudo, a vida das pessoas é altamente digitalizada, porque praticamente tudo se faz pela internet. E esse enorme rastro digital alimenta a indústria de big data e IA.
Além disso, há um ambiente regulatório (ainda) flexível e um ecossistema de tecnologia digital que floresce, com empresas maduras, financiamento de risco para startups, investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e grande volume de engenheiros sendo formados todos os anos.
Decerto, o emprego de IA em geral, e na medicina em particular, abre um universo de questões éticas difíceis, inclusive relativas a privacidade e proteção de dados. Especialmente no contexto da pandemia, no entanto, preocupações relativas a saúde e segurança têm, de longe, maior peso relativo na China, o que facilita o desenvolvimento de novas aplicações e o aperfeiçoamento da tecnologia existente.
Ao mesmo tempo em que luta para controlar a doença, a China treina seus algoritmos, fortalece seu ecossistema de inovação e gera novos negócios. Apesar da crise —ou talvez por causa dela—, Xiaoyis multiplicam-se, tornam-se mais versáteis e inteligentes.
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