Depois de quatro anos de negacionismo climático sob Donald Trump, Joe Biden reverte a posição dos EUA em matéria de aquecimento global no primeiro dia de seu mandato.
O retorno dos EUA ao Acordo de Paris cria condições excepcionalmente favoráveis para que os principais emissores de carbono —China, EUA e União Europeia— possam colaborar nesse tema.
Enquanto a oportunidade para cooperação tem recebido destaque, um fenômeno paralelo, no entanto, merece atenção. Trata-se da disputa 2.0 pelas tecnologias que vão viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono.
A competição que importa não é a de quem se tornará carbono-neutro primeiro. Ou quem se sairá melhor na diplomacia climática. Ou quem posará de herói na conferência do clima em Glasgow neste ano.
A corrida que interessa é pelo domínio das tecnologias que permitirão novas maneiras de produzir, transportar, consumir, construir e gerar eletricidade.
A disputa não é nova, mas cozinhava em fogo brando enquanto o ocupante da Casa Branca se preocupava em resgatar os anos gloriosos do carvão. Os EUA perderam tempo.
Agora, o green tech americano protagonizará um novo capítulo na rivalidade tecnológica China-EUA. Desta vez, com a mão amiga —e os bolsos fundos— do governo americano. Política industrial deixou de ser palavrão em Washington. Durante a campanha, Biden prometeu US$ 2 trilhões para a economia verde no seu primeiro mandato.
Do outro lado do mundo, o capitalismo de Estado chinês nunca deixou de investir em carvão —mas vem há anos apostando alto, por exemplo, em energia solar e eólica e em veículos elétricos. Busca inovações em várias frentes, como tecnologias para captura de carbono.
O novo plano quinquenal 2021-2025 redobrará os esforços para que a China domine as tecnologias e as cadeias de suprimento que ganharão o mundo à medida que mais países traduzam, em ações concretas, seus compromissos de redução de emissões.
O risco é de que haja uma reprise, em menor escala, da novela do 5G. O perigo é o de que a rivalidade em tecnologias verdes adquira contornos característicos da confrontação dos anos Trump. Como nunca antes, sua administração instrumentalizou preocupações de segurança nacional para proteger interesses econômicos.
O problema é que, hoje, até gente de bom-senso não sabe o que realmente representa um risco para a segurança nacional dos EUA. No afã de proteger tudo, os americanos correm o risco de não protegerem nada. E simplesmente abraçarem o protecionismo.
Neste momento, os chineses investem, por exemplo, na aplicação de tecnologias digitais, como inteligência artificial e computação na nuvem, para oferecer soluções ambientais.
O “City Brain”, do Alibaba, tem sido adotado por várias cidades para racionalizar o trânsito e reduzir emissões de transporte. Smart grids têm aumentado a eficiência de redes de distribuição elétrica. Robótica tem ajudado na tarefa difícil de reduzir emissões da manufatura chinesa.
Certamente haverá quem, nos EUA, entenda que tudo isso é uma grande ameaça à segurança nacional do país. Se o TikTok supostamente é, por que essas outras tecnologias não seriam? Haverá quem defenda que apenas tecnologias livres de componentes chineses são seguras.
O sentimento anti-China nos EUA, cultivado com afinco por Trump, reverberará na gestão Biden. Influenciará essa nova disputa tecnológica e poderá prejudicar esforços para combater o aquecimento global.
Ao mesmo tempo em que se abre uma grande oportunidade para cooperação na área do clima, está dada a largada para uma nova competição por domínio tecnológico. Mantida sob controle, a disputa pode acelerar soluções inovadoras. Caso contrário, a geopolítica deixará as preocupações climáticas em segundo plano.
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