O mundo está olhando, disse Joe Biden ao condenar os atos antidemocráticos no Congresso americano nesta quarta-feira (6). Em Pequim, na manhã mais fria em cinco décadas, as autoridades foram acordadas com as notícias de Washington. Pararam para assistir. A questão é saber que lições tirarão dos episódios.
Para 2049, Xi Jinping anunciou o objetivo de fazer da China um país democrático, além de próspero, poderoso, culturalmente avançado e harmonioso. Trata-se do ano em que a República Popular da China comemora seu centenário.
Olhando as imagens de caos e violência no Capitólio, certamente não é essa a democracia que Xi tem em mente. Tampouco é a democracia americana de tempos normais. O plano certamente envolve um modelo com caraterísticas chinesas, como tudo por aqui.
A China sob o comando do Partido Comunista tem larga experiência em aprender com erros e acertos de outros países e em adaptar experiências para as circunstâncias locais.
Os chineses observam, experimentam o que interessa e escalam o que funciona. Essa capacidade de aprender e adaptar é elemento central do modelo chinês.
No entanto, se as autoridades em Pequim estão mais interessadas nas características chinesas do que na democracia propriamente, os episódios desta semana em Washington têm seu valor.
Do começo ao fim, o processo eleitoral americano foi um presente para o regime chinês.
Já às vésperas da votação, com as incertezas que rondavam o pleito, o governo chinês e a imprensa oficial sentiam-se ainda mais confortáveis em promover as vantagens do modelo político local e apontar para a desfuncionalidade do americano.
A violência na quarta-feira é a cereja do bolo para o partido, que, aliás, comemora seu 100º aniversário neste ano, exibindo considerável vitalidade.
Do pós-crise financeira de 2008-2009, os chineses saíram mais seguros em relação ao seu modelo econômico. Convenceram-se de que já tinham aprendido o suficiente com a primeira economia do mundo.
No pós-6 de janeiro de 2021, rechaçarão qualquer tentativa de os americanos lhes dar lição de moral a respeito de democracia. Além disso, por um tempo ao menos, esses episódios devem modular o proselitismo americano —e Pequim agradece.
O 6 de janeiro em Washington acabará por empoderar os linha-dura em Pequim. A violência, o caos e a instabilidade nos EUA reforçarão a visão, na China, de que controle político é necessário. Validarão, por exemplo, a posição daqueles que defenderam a lei de segurança nacional em Hong Kong.
“Nós não reconhecemos o agente comunista chinês Joe Biden nem seus controladores”, disse aos berros um dos manifestantes pró-Trump em frente ao Capitólio.
É curioso como os mais fervorosos críticos da China e do seu modelo político fechado revelam-se os mais antidemocráticos nos EUA. Fanáticos de um lado dão corda a autoritários do outro —e ambos enfraquecem o ideal democrático.
Muitos em Pequim se recusarão a ver que a democracia americana resistiu à tentativa de golpe, que o Congresso validou o resultado das eleições e que os tribunais fizeram seu trabalho. As imagens contam outra história. E é para elas que Pequim estava olhando.
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