Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Mamãe Neura: Quentinho

Morbidez 'protetora' dura até os quatro meses do bebê

David Magila

Durante toda a minha gravidez, meu maior medo era ver sangue na calcinha quando fosse ao banheiro. É sabido que gestantes fazem uma quantidade hiperbólica de xixi, então você pode imaginar o tamanho da fobia. Aquele feto precisava vingar, crescer, sobreviver, habitar o quarto decorado e o nome escolhido.

No instante em que o bebê nasceu, pari também, mentalmente, uma espécie de guardiã obsessiva em zelar pelo bom funcionamento de seu pequeno (e, na minha fantasia, frágil) corpo. Passei cada segundo dos primeiros meses verificando se ela respirava, abria os olhos, dava algum sinal de desconforto. Se eu ouvisse uma criança qualquer engasgando a dez quadras do meu apartamento, dava um pulo da cama para garantir que não era ela. 

Parentes estranhos me mandavam matérias sobre morte súbita, piorando infinitamente a minha compulsão a colocar o dedo indicador embaixo das minúsculas narinas do nenê (na imensa e sofrida expectativa de sentir um ventinho quente sendo expelido). A primeira pediatra, que tratei de trocar rapidamente, insistia que ela não estava ganhando peso. As pessoas falavam sobre “a ininterrupta felicidade de se tornar mãe”, e eu não conseguia entender. Sentia cansaço, pavor, dor, angústia e preocupação. 

Ninguém é feliz achando que pode perder, pela primeira vez, “algo” cuja ausência invalidaria por completo o significado da sua existência. Descobrir uma vida que nos importa mais do que a nossa é uma porrada digna de depressão. Todo o resto é fru-fru de gente tola.

Mas, ao completar quatro meses, o bebê de fato “chegou”, me lançando incontáveis sorrisos e se tornando, finalmente, a minha filha. O amor, que antes era biologicamente necessário para espichar a cria, agora era paixão descomplicada e doce. Minha menina parecia rir da minha cara atemorizada, e eu fui relaxando. 

Parei de flertar com a morbidez “protetora” e me agarrei ao espetáculo incontrolável do nascimento. Assim que me deixei ser cuidada por ela, entendi que não precisamos de mil livros, mil cursos ou mil opiniões para dar, a filhos tão inquietantemente comovidos como seus pais, a simplicidade de um colo quentinho.

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