Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Meu primeiro livro

Ninguém solta a mão de ninguém, a não ser que seja para segurar um livro

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"Capitães da Areia" foi o primeiro livro de que gostei. "Cem Anos de Solidão" foi o primeiro livro que me deu vergonha de contar que não tinha gostado. "Perto do Coração Selvagem" foi o primeiro livro que me fez não entender nada de um jeito tão dolorido que aprendi que esse era um jeito de entender as coisas.

"Lolita" foi o primeiro livro longo que devorei em dois dias. "Um Copo de Cólera" foi o primeiro livro curto que demorei meses degustando. "O Complexo de Portnoy" foi o primeiro livro que me veio à cabeça quando me perguntaram, em um programa de rádio cujo tema era feminismo: "Qual seu livro preferido?".

"Dom Casmurro" foi o primeiro livro que me apresentou ao narrador neurótico, o meu preferido. "Máquina de Pinball" foi o primeiro livro que me fez perceber que existiam escritores da minha idade, falando deles mesmos de um jeito destrambelhado e corajoso, e que era isso o que eu queria fazer da vida. "Meio Intelectual, Meio de Esquerda" foi o primeiro livro que me mostrou que eu deveria saber escrever para além dos temas que eu gostava de tratar.

"O Lobo da Estepe" foi o primeiro livro que levei para a praia quando eu tinha um namorado muito feliz que andava com uma galera ainda mais animada e, cada vez que eles faziam "uhuuuu" e eu queria morrer, eu lia mais uma página e mais uma página, e cá estou eu, vivinha. "A Insustentável Leveza do Ser" foi o primeiro livro que eu li para agradar um namorado ultra-angustiado. "A Vida Sexual da Mulher Feia" foi o primeiro livro que me fez gargalhar tão alto numa ponte aérea que a moça ao meu lado mudou de lugar. "O Filho de Mil Homens" foi o primeiro livro que me fez falar: "Caceta, acho que esse é o livro mais lindo que eu já li na vida!".

"Retrato de um Viciado Quando Jovem" foi o primeiro livro que me deixou tão obcecada pelo autor que eu o persegui pelas ruas da Flip gritando: "Your book inspired me to write mine", e meu marido falou: "Tem que falar 'has inspired'", e eu gritei de novo, e o cara (Bill Clegg, te amo) acenou de longe num misto de educação e pavor.

As "Obras Completas de Freud" foram as primeiras obras completas que eu comprei, e não tem nada no mundo que me deixe mais fascinada e curiosa do que ler psicanálise. "O Demônio do Meio-Dia" foi o primeiro livro que eu parei de ler de tanto que eu estava gostando. "Grande Sertão: Veredas" é o primeiro livro que eu tento retomar toda semana há 15 anos.

"A Criança e o seu Mundo" foi o primeiro livro que ganhei quando fiquei grávida. "O Amor Acaba" foi o primeiro livro que ganhei quando achei que ia me separar e —que bom!—​ não me separei e o amor não acabou e fizemos uma filha.​

"O Discreto Charme do Intestino" foi o primeiro livro que me fez cogitar uma colonoscopia, mas ainda sigo sem coragem.

"O Apanhador no Campo de Centeio" foi o primeiro livro que me fez pensar que eu também tinha um enorme saco cheio de tudo.

Hoje, amanhã e neste Natal, dê livros. E no Natal do ano que vem também. Se a pessoa que ganhou o livro te olhar feio, lhe dê mais cinco livros. Não desista das pessoas ou, o que costuma querer dizer a mesma coisa: não desista dos livros. Compre livros, dê livros e, sobretudo, leia muitos livros. A Netflix não está passando por nenhuma crise, então a deixemos um pouco de lado. Salvemos nossos maiores e melhores amigos. Ninguém solta a mão de ninguém, a não ser que seja para segurar um livro.

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