Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Meu marido me traiu

Desde que o acusei de uma pulada de cerca, esse homem se tornou um sonho

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O celular dele estava carregando no meu computador quando surgiu um papinho suspeito. Foi o que bastou para eu vasculhar suas redes sociais e mensagens privadas (nunca faça isso, leitor, é muito feio!) e descobrir um flerte bobo, aparentemente encerrado em poucos dias. Fantasiei durante muito tempo com a garota que daria umas encoxadas em meu cônjuge, mas, para a minha grande decepção, a real é mais feiosa e intelectualmente medíocre. É claro que entendi e lhe perdoei, afinal eu mesma nunca fui fiel a nada nesta vida —a não ser à minha vontade de transformar tudo em texto.

Quando digo que meu marido me traiu, não me refiro ao dia (ou aos dias, vai saber) que ele, ser humano que é, precisou sentir sob as unhas tediosas o pulsar de uma epiderme diferente. Sejamos menos hipócritas, por favor. Quando digo que meu marido foi desonesto, me refiro aos seis anos em que estamos juntos e ele nunca se preocupou de fato em ser o cara mais legal que já conheci. A capacidade e a sensibilidade estavam todas ali, mas ele, indolente, não me permitia usufruir de tamanha felicidade.

Desde que o acusei dessa pulada de cerca, esse homem se tornou um sonho dourado de mozão. É massagem nos pés duas vezes por dia, é o mais refinado humor quando estou irritada, é elogio "eita, que sereia divina" quando me vê acordando com a pele toda amarrotada e hálito de bexiga murcha de festa barata. Ele agora presta tamanha atenção nas histórias que eu conto (eu nem sabia que ele tinha audição) que depois ainda FAZ PERGUNTAS (eu nem sabia que ele falava). Ontem fui ao oftalmologista, e ele estava eufórico quando cheguei: "Me conta tudo. Tudinho. Como foi? É, o J parece muito o L".

Desde o fatídico adultério, esse homem acorda todas as madrugadas para cuidar da minha filha. Eu até me ofereço, às vezes, para ajudar, mas ele faz apenas um "xiiiiu, amor, descansa". Eu nunca mais dormi menos do que nove horas por noite, o que melhorou minhas selfies e curou minhas enxaquecas e amigdalites crônicas. Ele segue todo fodido, posto que ser privado de sono é uma merda, mas pergunta se reclama? NADA. Segue sorrindo. Eu casei com o melhor dos homens.

Há seis anos eu tentava explicar que minhas costas, tem dias, doem tanto que eu não quero sair de casa, não quero fazer nada, só quero ficar deitada em posição fetal repassando minhas angústias feito um álbum de fotos esverdeadas pela bile dos tempos. Ele sempre me olhou com aquela cara de "lá vem a frescurite". Agora ele lamenta, pesquisa sobre fibromialgia, me leva ao shiatsu, fica triste, lava a louça enquanto eu vou para a acupuntura, me esfrega a pomada japonesa fedida e ainda elogia seu perfume.

Meu marido, quem diria, tem empatia. Foram seis anos implorando por esse sentimento. Nunca exigi joias (apesar de que agora até ganho algumas) ou orgasmos desmedidos (apesar de que agora até obtenho alguns), mas eu sempre clamei por empatia.

Semana passada, fiquei pasma, ele resolveu que a privada quebrada era um problema nosso, e não meu. Tomar para si o conserto de uma privada é a maior declaração de amor possível em um casamento. A coisa anda tão maravilhosa que, desconfio, poderei finalmente fazer sucesso sem causar climão.

Foram seis anos lidando com esquisitices e desinteresses, tentando me convencer de que ele era assim e pronto. Foram seis anos sendo enganada até que, por causa de uma bendita prevaricação, passei a conviver com o homem incrível que eu mereço ter ao meu lado.

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