Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Carta aberta a Fernando Reinach

Eles sabem que sou a louca do áudio e querem te proteger

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Querido cientista Fernando Reinach, desde que comecei a te ouvir no podcast "Luz no Fim da Quarentena" (da revista piauí, apresentado pelo sempre genial José Roberto de Toledo), comecei a pedir seu WhatsApp para alguns conhecidos. Fiz uma lista enorme de perguntas para você. Meus contatos mentem, dizendo que não têm o número. Eles sabem que sou a louca do áudio (mesmo durante a madrugada) e querem te proteger. Se antes da pandemia eu já atormentava médicos e cientistas dispostos a ouvir minhas neuroses o dia inteiro, você não sabe do que eu sou capaz agora.

Pobre do Drauzio Varella, que me atura há alguns anos —muitas vezes através de sua esposa, a maravilhosa atriz Regina Braga. Acho que já contei sobre a vez em que, ao me deparar com o Drauzio em uma festa, abri no celular a página dos meus exames laboratoriais, pronta para ir em sua direção. Foi o Bruno Porto, meu grande amigo, que me salvou dizendo as quatro palavras mais certeiras e bonitas da língua portuguesa: "Cara, na boa, não".

Mas voltando a você, Fernando. Veja minha situação. Aqui em casa foram dois PCR positivos para Covid-19. Todos com sintomas leves, graças a Deus. Acreditando que eu já estava contaminada por tabela, não colhi exame na época. Senti dor no corpo, cansaço, dor de garganta e enxaqueca. Pensei: "Deve ser". E pensei também: "Bom, eu tenho dor no corpo, cansaço, dor de garganta e enxaqueca quase todo dia, há anos, então sei lá". Eu não sei o que é ser assintomática desde que fiz 30 anos.

Não usei máscara nem luvas dentro de casa. Tampouco evitei beijar e abraçar. Cuidei do meu marido e da minha filha. Alimentei, velei o sono, mediquei e estive, por várias vezes, a cinco centímetros de espirros enérgicos. Era muito provável, conforme me disseram meus dois clínicos gerais, meu infectologista, meu psiquiatra, meu neurologista, meu ortopedista e minha obstetra, que eu já estivesse contaminada.

Quarta-feira, 29 de julho, foram as primeiras 24 horas da tão sonhada imunidade. Contamos 14 dias após o início dos sintomas. O que eu faria? Levaria plantas e doces para meu pai. Levaria a Rita vestida de dinossaurinha para a minha mãe. Pensei em sair nua pela cidade, abraçando as pessoas. Talvez eu só fosse pintar e cortar o cabelo. A vida de outrora. Era tão boa. Mas antes decidi fazer uma sorologia do amor. Aquela que me daria o certificado de velha anormal. Cansei da expressão "novo normal". Não aguento mais. Quero voltar a ser uma velha anormal. Que não suporta sair de casa, mas, ainda que cheia de dor, vai assim mesmo. Se arrasta porque odeia o convívio social, mas só vai, apesar de não querer, porque ama o convívio social. Saudade de reclamar da vida. É preciso estar na vida pra poder reclamar dela.

Mas então, caro Reinach, a sorologia deu NEGATIVA para Covid-19. E eu, antes disso, dei até entrevista pro UOL contando como foi ter a doença. Sou uma fake news ambulante. Falei pra minha vizinha: "Opa, já tive!". E fui assunto no grupo de Whats do prédio. E você, Fernando, talvez me dissesse que o método mais sensível, o que melhor temos hoje disponível, é o da eletroquimioluminescência. Sim, foi esse mesmo que eu fiz. Eu dou Google o dia inteiro. Depois de "por que remédios para enxaqueca me deixam hipomaníaca" e "por que nem opioide melhora minha dor na cervical", a frase que eu mais digito há cinco meses é "respostas celulares". Estou fascinada pelo papo das células T. Mas eu não entendo nada do que leio ou ouço. NADA. Por isso estou aqui, lhe oferecendo essa linda amizade de mão única. Uma relação bem pouco justa, na qual eu te mandaria perguntas o dia inteiro. Incluindo as madrugadas. E você, sem jamais se beneficiar de minha parca inteligência, me ofertaria toda a sua imensa sabedoria. É pegar ou largar.

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