Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Descrição de chapéu machismo

Leão

Deveria haver uma lei Leão Serva de não aguento mais abaixo-assinado

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Todo mundo já sabe. Na última quarta-feira, após um debate entre os candidatos ao governo de São Paulo, o deputado Douglas Garcia, do Republicanos, intimidou e ofendeu a jornalista Vera Magalhães, que já havia sido vítima de injúrias misóginas por parte do presidente Bolsonaro.

Vera, que deve estar tão cansada de virar assunto quanto de ver o seu ofício de repórter ser reiteradamente desrespeitado, soube mais uma vez se defender com vigor e dignidade. Assim como souberam as jornalistas Patrícia Campos Mello, Daniela Lima, Mônica Bergamo e Miriam Leitão, também alvo de ataques nos últimos anos. A cada dia temos mais certeza de que o mundo é das mulheres.

Mas esta coluna, porque sou um arremedo de feminista e cheia de furos em meu discurso, é sobre Leão Serva, o diretor de jornalismo da TV Cultura que jogou longe o celular do infausto deputado bolsonarista e ainda gritou um belíssimo e merecido palavrão para ele.

O jornalista Leão Serva em pé durante debate entre candidatos a governador de São Paulo
O jornalista Leão Serva durante debate entre candidatos a governador de São Paulo - Divulgação

Meus amigos se dividiram entre os que vibraram com a reação de Serva (90%) e entre os que acreditam que, agindo assim, o campo democrático se assemelha demais à extrema direita. Discordo veementemente dos poucos que viram no ato de Serva um risco para o debate progressista. Eu senti minha alma lavada! Há tempos que a turma do "deixa disso" e do "vamos conversar" nos deixou todos calados. Se existisse uma lei Leão Serva de tolerância zero com filhos da puta antidemocráticos e fascistas, Bolsonaro estaria preso desde que celebrou o Brilhante Ustra no golpe contra a Dilma.

Deveria haver uma lei Leão Serva de "não aguento mais abaixo-assinado" ou de "não aguento mais jantar na casa de intelectual rico para discutir que só a gentileza vai salvar o país". Deveria haver uma lei Leão Serva contra todos os executivos e executivas de empresas que, em detrimento de seres humanos, defendem palavras como "burocraticamente", "diplomaticamente", "expediente", "conduta", "regra" e "contrato".

Leão Serva surge do meio da multidão, arranca o celular da mão do deputado estadual Douglas Garcia e joga longe
Leão Serva surge do meio da multidão, arranca o celular da mão do deputado estadual Douglas Garcia e joga longe - Reprodução/@UOLNoticias no twitter

O nome Leão Serva (e o próprio) me lembrou minha mãe, uma leonina que sempre brigou por mim como se estivéssemos em uma selva. E não estamos? Quando eu tinha seis anos, a escola em que eu estudava me colocou para dançar quadrilha com um garotinho desgraçado que me batia. As professoras mentiam que não sabiam —e eu cheia de hematomas. Até que minha mãe apareceu no sobradinho que abrigava aquela pré-escola miserável, e o bicho comeu tanto que viram a diretora (uma ex-modelo perua e bastante incompetente que fazia comercial de cigarro) chorar e correr para proteger o piso do pátio de uma diarreia.

Quando eu tinha 13 anos fui a um ginecologista pela primeira vez. Eu era virgem e estava apavorada com o exame. Ao ver que minhas pernas estavam tensas, o médico perguntou, sem paciência: "Esse nervosismo é frescura ou você já foi estuprada?". Temi por todos os móveis e adereços do consultório. Minha mãe esbravejava e derrubava coisas. O doutor só não chamou a polícia porque minha mãe adorou a ideia.

Já na vida adulta, comprei na planta um apezinho de 35 metros quadrados e tive o desprazer de conhecer o dono da incorporadora, um tiozinho babaca que gostava de dizer: "Eu faço empreendimentos de 500 metros quadrados no Itaim, isso aqui foi pra meu filho mais novo poder brincar de imobiliária". Depois de me mudar, descobri que paguei por uma vaga de carro que não existia. O corretor sumiu, o advogado desistiu e quando tentei fazer B.O. fui maltratada. Um dia, de saco cheio, minha mãe apareceu no escritório do longevo enrolador e deu um murro em sua mesa. Lembro de uma caneta caríssima caindo no tapete persa e rolando para debaixo de um sofá igualmente ostensivo. No mesmo dia resolveram.

Houve uma época em que eu invejei amigos cujas mães, muitas delas frias e ausentes, tinham pós-doutorado ou deixariam herança. Graças a Deus passou.

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