Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

O ódio vai vencer o ódio?

Não consigo virar voto. Quero é virar a mão na face dessas pessoas

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Olá, progressistas analisados, espiritualizados e adeptos de dietas ayurvédicas para harmonizar o fígado. Eu acho lindo quando vocês contam que se utilizam de muita generosidade e até mesmo respeito intelectual para conversar com bolsonaristas. Fico me perguntando o que vocês carregam em suas almas e o que a infância lhes ofereceu em abundância. Eu, da realidade profunda abrigada em meus signos de fogo e terra, gostaria apenas de incendiar os pelos pubianos desses espécimes e jogar terra em seus olhos já anuviados pela insciência. Não tenho orgulho disso e nem acho que estou certa.

Ontem mesmo, parada em um farol do Itaim, me deparei com duas moças loiras entregando adesivos e bandeiras do gabiroto. Abri a janela do carro para dizer: "Faz isso não, amiga, ele odeia mulher. Quer conversar um pouco?". Mas, assim que descolei os lábios ouvi emanar da minha faringe sempre inflamada algo como: "Ah, vá apoiar fascista na %&*, imbecil!". Eu não tenho maturidade para essas eleições. Não existe sororidade possível para mulheres que apoiam o Bolsonaro. Eu não sei virar voto. Eu quero é virar um chute no queixo das pessoas.

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Lula e Bolsonaro em debate presidencial, no domingo (28) - Fotos Marlene Bergamo/Folhapress

Ainda na região do Itaim, um Eclipse Cross vermelho fez questão de deixar a bunda do meu carro atrapalhando um cruzamento. Eu buzinei para que ele fosse um tantinho para a frente, para que eu não atrasasse a vida de dezenas de trabalhadores e pudesse, não que isso seja importante para o resto da humanidade, me proteger do risco de falecimento. O cara não se movia e ria. Ele não se movia, me olhava pelo espelhinho e RIA. Eu podia ter respirado fundo, entoado um mantra e pedido ajuda aos meus anjos da guarda? Podia ter pensado que estou do lado da campanha presidencial que prega o amor em detrimento do ódio? Podia concluir que lançar minhas flamas ao vento só jogaria ainda mais cortisol em minha corrente sanguínea e não mudaria em nada a vida do miserável?

Mas não tive dúvida. Assim que pude, alcancei o Eclipse Cross vermelho, emparelhei o carro e berrei: "Só pode ser bolsonaristaaaaa". Ele assentiu, altivo. Foi quando peguei pela mão a ladeira abaixo que vive em mim, e juntas descemos até o mais rebaixado andar da conduta social. Me esgoelei: "Seu misógino, seu desonra útero de mãe, seu playboy fascista de merda, pare de usar a santa cor vermelha em vão!". E depois disso fugi, porque obviamente fiquei com medo de ele estar armado.

Ah, Lula, não sei que marqueteiro falou pra você não pegar muito pesado no debate da Band, mas fico com vontade de te lembrar que você não está em primeiro lugar exatamente porque o amor que vive dentro de nós vai vencer o ódio. Você está na frente porque o ódio que vive dentro de nós não aguenta mais essa gente odiosa, odiável e odienta. Para além da minha capacidade de adorar o país, eu tenho é uma capacidade gigantesca de execrar quem quer destruí-lo. E eu espero, com a humildade de quem não sabe fazer aliterações dignas, que o nosso ódio do ódio vença o ódio. Eu não consigo virar voto. Eu quero é virar a mão na face dessas pessoas.

Se tem uma coisa que eu gosto é reunião em apartamentos cheios de livros, tocando músicas do Caetano, repleta de seres festivos e transantes. Esquerda amor. Esquerda poética. Esquerda coração quentinho. Meu cu. A gente faz isso depois. Agora eu quero é ver gente com muita raiva pensando estratégias de redes sociais pra você, Lula. Gente com muito asco pensando discursos pra você. E você, sobretudo, indo a um debate lembrando dos seus dias na cadeia, de seres abjetos comemorando a morte do seu neto, de pessoas repulsivas comemorando a morte da Marisa, de você sem poder se despedir do seu irmão no caixão. Tem horas que o ódio precisa vencer o ódio.

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