Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu instagram twitter

Uma hater genial

O problema é que sua thread sobre mim chegou aos trending topics do Twitter

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Quando encontrei o Instagram de Fanih, lancei ao inferno meu suspiro de ombros convexos: era eu teatralizando organicamente minha típica cena da condescendência iluminada, fraterna e queridona de uma branca em estado de compaixão.

Fanih é designer e fotógrafa, e absolutamente tudo que ela posta tem o charme, o diferencial e a beleza da minha bursite de cotovelo.

Em meio a uma mistura de eventos com cupcakes e salpicões, seu ursinho, o "Ted, the Curious", bebe cervejas, vai a encontros de gamers e experimenta milk-shakes. Fanih faz parte de um grupo chamado "Loucos por batatas" e é lover de pagodeiros bolsonaristas e de influencers "mães de pet". O rosto solar de Fanih aparece somente em uma foto, lavando louça. Seu sorriso é largo e bondoso. Ninguém de bom caráter faria mal a Fanih.

Logotipos das Redes sociais
Pixabay

Fanih quer ser escritora, quer ser reconhecida e escreveu um texto sensível e inteligente sobre superação. A palavra "superação", se levada a sério, jamais faria parte de um catálogo de bons livros em uma boa editora. Mas essa sou eu sendo ruim com Fanih. A verdade é que o texto não era de todo mau. Porém Fanih dedica seu tempo —e aqui eu me refiro a umas 20 horas diárias— a tuitar qualquer raciocínio insignificante que passe pela sua mente. Suas redes sociais são atestados claros de que, dia após dia, Fanih desiste de ser a Fanih que gostaria de ser.

Fanih conta que comprou pipoca, daí relata que vai fazer a pipoca e então conclui que vai comer a pipoca. "Mas quem se interessa?", indaga a minha arrogância desinformada. A thread do milho teve 119 likes.

Fanih é obsessiva por "fenômenos" pop como o bebê da Boca Rosa. E insiste que a criança é a cara do Ciro Gomes. Achei a piada de mau gosto. Fanih é o tipo de pessoa que perde uma vida acompanhando cada segundo de reality shows nauseabundos tipo "A Fazenda", e comenta os microdetalhes. Posta, posta, até que posta que já volta porque foi fazer xixi. E posta que voltou. A thread da urina teve 116 likes.

E o que eu tenho a ver com isso? Pois bem. Há pouco mais de um mês, Fanih resolveu fazer uma thread sobre mim. Era uma sequência de crônicas e fotos minhas, misturadas a uma sequência de comentários que fiz pelas redes sociais. O roteiro criado por Fanih era absolutamente genial. Nele eu era uma ciumenta vingativa persecutória escrota que maltratava e silenciava colegas de trabalho. Fanih, que é minha seguidora em todas as redes sociais desde 2013 (mas garante me odiar), deveria escrever vilãs de novelas da Record, apresentar programas toscos de fofocas e abandonar de vez sua expectativa de um dia ter talento para o design ou para a fotografia.

O problema é que, diferentemente da pipoca e da urina, sua thread sobre minha pessoa chegou aos trending topics do Twitter. E num Brasil em que atrizes são escolhidas por números de seguidores, uma plataforma de conteúdo, que estava prestes a me chamar pra um trabalho, amarelou. Vejam: uma empresa bastante séria esfriou o contato com uma autora (spoiler: agora vou me elogiar, tomem um Vonau, perdão) que tem no currículo sucessos na TV, no cinema, no teatro, na literatura e na podosfera (odeio essa palavra), porque uma garota que nunca vi na vida, fã de batatas e de pagodeiros bolsonaristas, criou uma narrativa falsa me esculachando e a historinha foi replicada e replicada e replicada até que, no dia 7 de setembro, dia em que o presidente ameaçava um golpe militar, eu alcancei o primeiro lugar no Twitter como uma grande filha da puta.

Fanih é nome falso, porque eu resolvi protegê-la. Ninguém de bom caráter faria mal a Carolah.

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