Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Como dialogar com quem discorda de você?

Direitos humanos pressupõem consensos sobre como conviver em sociedades plurais

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Mais um debate sobre criminalização da LGBTfobia, eu pensei. Com esta atitude, sentei na última semana para debater por duas horas com uma ativista e um pastor evangélico possíveis consensos e dissensos sobre como proteger LGBTs e religião, ao mesmo tempo, de forma respeitosa. Depois de duas horas de uma conversa frutífera, pensei: por que não fazemos isso com mais frequência? No debate público —seja escrito aqui ou pessoalmente— nos jantares de família, nos grupos de WhatsApp, na conversa de bar.

Como dialogar com quem (em tese) discorda de você?

Como dialogar com quem (em tese) discorda de você?
Como dialogar com quem (em tese) discorda de você? - Jardiel Carvalho/Folhapress

Dica 1. Crie condições para o diálogo.

Desligue o celular. Sente frente a frente com quem discorda de você. Em um livro intitulado “Recuperando a Conversa” [Reclaiming Conversation], Sherry Turkle, professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), argumenta que tecnologia (apesar de todas as suas vantagens) tem reduzido nossa habilidade de desenvolver empatia e autorreflexão. Quando tédio nos acomete, pegamos o celular e esquecemos de refletir sobre nós mesmos e escutar o outro.

Para desenvolvermos empatia, também precisamos considerar o outro como igual. Livro recém-lançado da historiadora Lilia Moritz Schwarcz (“Sobre Autoritarismo no Brasil”) nos ajuda a desmistificar a cordialidade brasileira. Apelidos supostamente afetivos, por exemplo, têm sido usados historicamente no Brasil para mascarar relações hierarquizadas, desiguais e por vezes violentas. “Minha empregada é praticamente de casa”, alguns ainda dizem.

Dica 2. Lugares de fala, se propriamente reconhecidos, fomentam diálogo e não o contrário.

Todos temos lugares de fala. Reconhecê-los é perceber os privilégios (ou opressões) com os quais vivemos —seja de gênero, classe, raça, orientação sexual. Isso não significa que, por exemplo, pessoas brancas não possam falar ou mesmo entender racismo —apenas significa que o olhar destas deva começar reconhecendo o seu privilégio enquanto pessoas brancas, embora possam passar por outras opressões como de classe, se pobres. Tampouco significa dizer que todas as pessoas negras possuem o mesmo olhar sobre o mundo (que David Miranda e Fernando Holiday o digam), mas significa dizer que ambos navegam —queiram ou não— pelo mundo posicionados de certa forma nas relações historicamente desiguais.

Lugares de fala, uma vez reconhecidos, deveriam possibilitar o diálogo: onde nossos lugares de fala se encontram?

Dica 3. Não precisamos abdicar de nossos sistemas de valor para entrarmos em consensos.

Para dialogar, precisamos entender que não é necessário concordar em tudo. Pesquisa da Fundação Tide Setubal sobre conservadorismo no Brasil, publicada neste mês, entrevistou 120 pessoas consideradas conservadoras moderadas. Algumas delas endossaram que casais LGBTs adotassem crianças, não porque defendam direitos LGBTs a formar uma família, mas porque se preocupam com o número de crianças sem família. Às vezes basta entender que o outro possui um sistema de valores diferente do seu. A partir destes valores, o outro pode concordar com você.

Lembro aqui do bom e velho John Rawls e seu liberalismo político (eu sei, uma palavra fora de moda). Rawls escreveu que uma coisa são nossos sistemas de valores amplos, aos quais ele chamou de doutrina abrangente (por exemplo, ser feminista, ser religioso, ser ambos); outra coisa são os consensos que podemos construir em conjunto a partir destes diferentes sistemas de valor, como no caso da adoção por casais LGBTs. Dialogar pressupõe discordar respeitosamente e concordar por razões distintas.

Dica 4. Fatos importam, e sem eles não temos uma base comum para o diálogo.

Há ou não um rombo da Previdência? A terra é plana? Julgamento do Lula foi célere demais em comparação a outros casos ou não? Houve ditadura civil-militar ou não? Qual a porcentagem do corte do MEC no orçamento da educação? Polícia brasileira mata mais do que polícias em outras democracias? Mulheres morrem por falta de acesso a tratamento médico no caso de abortos legais?

Todas estas não são perguntas de opinião, são questões de fato. Em uma sociedade de pós-verdade, esta afirmação acima pode soar estranha. No entanto, seja você a favor do #BolsonaroMito, seja você #LulaLivre, as respostas a estas questões independem disso. “Você tem direito a sua própria opinião, não a seus próprios fatos”, disse uma vez o senador dos EUA Daniel Patrick Moynihan.

Para conseguirmos dialogar, precisamos acordar a base fática sobre a qual argumentamos.

Sherry Turkle sustenta que para dialogar precisamos de três cadeiras: uma para solidão, outra para amizade e a terceira para acomodar a sociedade. Ou seja, dialogar significa respectivamente um exercício difícil de autorreflexão, empatia e preocupação com a sociedade como um todo. Lembro das bibliotecas vivas na cidade de Malmo na Suécia, onde ao invés de livros as pessoas podem emprestar 45 minutos do tempo de uma pessoa diferente dela (imigrantes, LGBTs, muçulmana) para escutar sua história.

Garantir direitos humanos, a longo prazo, pressupõe construir tais diálogos sobre como conviver em sociedades plurais.

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