Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Ruas só de medo e esperança

Contraintuitiva, Datafolha põe em xeque solução única em segurança pública

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Eis a má notícia. Atualmente, medo é a emoção mais democrática no Brasil. Sete em cada dez brasileiros adultos (72%) têm medo de andar à noite pelas ruas da cidade, aponta pesquisa Datafolha publicada nesta segunda (30)

Se no medo todos os brasileiros são desiguais, alguns são mais desiguais que os outros. Embora majoritário em todos os segmentos, são as mulheres, os mais velhos, os moradores de capitais e cidades maiores, e os moradores da região do Nordeste que mais sentem medo.

Não é em si surpreendente que o medo de andar à noite seja generalizado. É reflexo da gravidade da insegurança pública. Mesmo com índices de criminalidade em queda, o Brasil continua violento e a polícia cada vez mais letal, em especial para jovens negros. Reflete, ademais, a realidade na região. 65% das pessoas na América Latina tem medo de sair na rua à noite, segundo estudo do Pnud de 2012.

Contraintuitiva mesmo é a solução proposta pela maioria da população: 57% dos brasileiros adultos entendem que o governo deveria priorizar investimentos sociais, como combate ao desemprego e melhorias na educação, a investimentos em órgãos de segurança. Mesmo entre aqueles que avaliam o presidente Bolsonaro como ótimo/bom, prioriza-se área social. E esta é a boa notícia. 

Mesmo sendo a violência um fenômeno multicausal, estudos recentes evidenciam ligação entre políticas sociais e redução de crimes. Pesquisa do IPEA de outubro deste ano evidencia que “a cada 1% a mais no atendimento escolar de jovens entre 15 e 17 anos, os homicídios caem 1,9%.” Nesta mesma linha, em 2015, 73% dos adolescentes mortos em Fortaleza haviam abandonado a escola, muitas vezes poucos meses antes de serem mortos. 

Desemprego e homicídios também estão ligados. O mesmo estudo do IPEA apontou que “alta de 1% na taxa de desemprego entre homens de determinada cidade está associada ao aumento de 1,8% em sua taxa de homicídios.” Vê-se, portanto, que opinião pública no Datafolha possui respaldo científico.

A pesquisa Datafolha nos desconvida, ademais, a pensar segurança nas cidades como repressão policial. Para garantir cidades com menos medo, é importante diversificar e fomentar o uso de espaços públicos. Isso implica, inclusive, pensar políticas específicas, desde iluminação pública a treinamento de policiais, para que em especial mulheres e LGBTs não tenham medo de violências na rua. 

Parte dos fracassos do Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, é que esta política segrega populações para regiões afastadas, pouco investe em criar espaços públicos como praças e centros culturais e segrega o uso do espaço separando residência e trabalho. 

Medo é uma emoção política relevante: de um lado, impulsiona bolsonarismo ao vender soluções autoritárias em segurança, e de outro, aterroriza o campo progressista porque lhe falta capacidade de lidar com o medo real das pessoas. É tentador ler os números do Datafolha com um olhar que oponha gestão policial a políticas sociais. Tentador, mas também errado porque simplório.

Lembro aqui da polonesa Olga Tokarczuk, Nobel de Literatura em 2018. “É no crepúsculo que os fenômenos mais interessantes acontecem, pois é quando as diferenças simples se apagam. Eu poderia viver num crepúsculo eterno”, escreve em “Sobre os Ossos dos Mortos”. 

O que a recente pesquisa Datafolha mostra é um crepúsculo no debate sobre segurança pública. Um raro momento de sensatez. Sem antes deixar de acentuar, como num clarão crepuscular, o paradoxo que esta percepção encerra em um país governado pela turma do bandido bom é bandido morto. “Dançando o baile do medo”, como escreveu Drummond de quem parafraseio o título deste texto.

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