Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus

Os guichês que não quebramos

Não é de hoje que violência levanta questões morais relevantes

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Três horas impedidos de sair de um avião em solo; sete esperando sem comida na bagagem de mão para o bebê de cinco meses. Dezesseis anos para engravidar. Viralizou o vídeo de um casal no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, quebrando o guichê da companhia aérea. "Entramos em desespero", disseram.

O caso, extremado, não deixa de levantar questões morais relevantes. Não, não é justificável exercer a violência contra funcionários. Mas julgar o ato não me interessa. Interessa-me ressaltar o desespero humano por trás do viralizável; senão perderemos, entre os algoritmos que nos mantêm sufocados em bolhas, a capacidade de lidar com a vida e sua complexidade.

Não é de hoje que violência tem sido objeto de estudo. De um lado, violência atiça a humanidade com que partilhamos. Nela, "o nativo descobre que sua vida, sua respiração, seu coração batendo são iguais aos do colono", escreve Fanon em "Os Condenados da Terra". É a humanização do ato extremado que me interessa.

De outro lado, o problema, nos lembra Arendt em "Sobre a Violência", é que violência "pode destruir o poder, mas é totalmente incapaz de criá-lo". Ou seja, há nela um que destrutivo, mas poderoso e, como tal, efêmero. O desespero do casal é poderoso ao ressaltar o desprezo do capital pela vida e no mesmo instante se dissipa em reprovabilidade.

Casal quebra guichê em Guarulhos após problema em voo - Reprodução

De outro lado, há um caráter seletivo da violência. Recalcamos a violência por meio do mito que construímos sobre nós mesmos como anjos pacíficos no país do Carnaval, mesmo tendo as mãos cheias de sangue, em especial negro e indígena. Selecionamos a violência que nos ofende (vidraças de banco), as que saem impunes e as outras que normalizamos.

Butler, em "A Força da Não Violência" (2020), argumenta a favor de um compromisso ético de abster-se da violência, pois o mundo que se quer construir deve ser dela destituído. Ao fim e ao cabo, os guichês que não quebramos são os que impedem que olhemos o desespero como parte de nossa comum humanidade.

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