Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Thiago Amparo
Descrição de chapéu Folhajus

Por que o frio mata

Mata porque a cidade mais rica do país assim escolheu

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No meio do abrigo na zona leste de São Paulo, jaz o corpo de Isaías de Faria, 66, que morreu nesta quarta-feira (18), na madrugada mais fria desde 1990. Seria uma morte por convulsão e frio. Todo ano, quando o frio chega, ora o tratamos como mais uma efeméride, ora a ele reservamos, com desdém, a inevitabilidade de mais um fato da natureza.

Enganamo-nos: toda morte por frio é política, permitida pela desigualdade, estupidamente evitável e absurdamente corriqueira. Corpos como o de Isaías, uma das milhares pessoas hoje na rua em São Paulo, parecem não pesar. Até 11h o corpo permanecia no meio do centro de convivência, imóvel, gélido e inumano.

Plástico cobre o corpo do homem que morreu na fila para tomar café, dentro de centro de convivência da Prefeitura de São Paulo na Mooca - Reprodução/TV Globo

O frio mata porque a cidade mais rica do país assim escolheu: reintegra posse de prédio na véspera do frio intenso, jogando famílias na rua, em violação a normas legais que priorizam crianças; tarda em acelerar projetos que priorizem moradias temporárias (internacionalmente chamadas de políticas de "teto primeiro"); perpetua estereótipos que culpam as próprias pessoas em situação de rua por sua condição (16% na capital e 27% no interior as culpam, segundo Datafolha); dificulta a acolhida, espalhando usuários de drogas à força no centro.

Medidas emergenciais, como priorização de vagas para crianças em hotéis, distribuição de alimentos e cobertores, alojamento temporário em estações de metrô, adotadas pela prefeitura e pelo governo de SP, são essenciais, mas insuficientes. O aquecimento global bagunça a circulação das massas de ar: a Índia registra calor perto de 50°C e regiões de SP têm sensação térmica de -4°C.

Há de se compreender a nova realidade climática extrema e a nova composição demográfica da população em situação de rua, mais familiar e, portanto, mais resistente a jogar suas poucas coisas fora e ir a um abrigo, muitas vezes separados uns dos outros. Há de se compreender que o frio mata porque encontra uma cidade que escolheu deixar intacta a força da grana que escolhe quem matar primeiro.

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