Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Tom Farias

Literatura de autores como Jeferson Tenório se faz cada vez mais necessária

Num mundo de retomadas de falas e lugares de negros, ela tem sido um forte catalisador de narrativas negligenciadas

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Se há um autor que devemos ter sempre no foco de nossas leituras, ele sem dúvida se chama Jeferson Tenório. Eu o conheci por volta de 2018, em Porto Alegre, durante a realização de um evento literário, o FestiPoa (Festa Literária de Porto Alegre). Participamos de um painel onde falamos sobre literatura brasileira e a escritora mineira Carolina Maria de Jesus, autora do célebre livro "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada".

Era a primeira vez que eu tinha contato com Tenório, um carioca radicado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Até então, jamais tinha ouvido falar no nome dele, embora ele já tivesse dois grandes romances –"Beijos na Parede", de 2013, e "Estela sem Deus", de 2018–, ambos premiados pela Associação Gaúcha de Escritores, a AGE, e o último relançado agora pela Companhia das Letras. Li estas duas obras de Tenório e fiquei admirado com a dinâmica da sua escrita.

Escritor Jeferson Tenório, autor de "O avesso da pele", obra vencedora do prêmio Jabuti, que fala de relações entre pais e filhos e racismo estrutural na sociedade
Escritor Jeferson Tenório, autor de 'O Avesso da Pele', obra vencedora do prêmio Jabuti, que fala de relações entre pais e filhos e racismo estrutural na sociedade - Carlos Macedo/Divulgação

Lembro-me que ao sair para tomarmos uma cerveja, logo após o evento, disse que gostaria de conhecer seus livros e escrever sobre aquele que era o mais recente à época –"Estela sem Deus". Na hora, Tenório pareceu não me dar qualquer crédito. Uma semana depois, escrevi sobre ele, entre outras coisas, num texto publicado no jornal O Globo: "É o condutor de um movimento sedutor, que se atém à linguagem para narrar e entreter".

Jeferson Tenório é dono de uma escrita singular. Ele nos conduz de mãos dadas pelo ambiente narrativo, nos insere nas histórias e faz com que nos envolvamos com os seus personagens. Este é o caso de "O Avesso da Pele", seu terceiro romance, prêmio Jabuti do ano passado, que consagra o autor entre jovens escritores proeminentes de nossa literatura brasileira contemporânea, a exemplo de Itamar Vieira Júnior, autor de "Torto Arado", e Eliana Alves Cruz, autora de "Solitária", entre outros.

Ler "O Avesso da Pele" só fez ampliar a minha percepção sobre a importância de Tenório no cenário de nossa literatura. Ele agrega em si a mudança de perfil de uma nova geração de escritores –outrora envelhecidos e distantes dos leitores e do público. Hoje conhecido e admirado, o escritor "carioca/gaúcho", é afável com o público, conta histórias do seu processo criativo e responde a perguntas que vão de sua juventude à fase adulta, o que lhe confere ainda mais dimensão e importância.

Se "Estela sem Deus" era um livro surgido de uma "obsessão", certamente "O Avesso da Pele" é um livro surgido de uma necessidade, de uma inquietação interior, de dentro para fora, do mundo real para o mundo da imaginação.

Sobre suas "fraturas existenciais" –como bem define Paulo Scott na orelha do livro–, elas amplificam o discurso narrativo e nos colocam no percurso do narrador solitário, que, como num ato memorialístico, refaz a trajetória do pai morto que, no fundo, é a sua própria, como uma busca, uma reintegração com a própria vida confusa e perdida.

Além de bem escrito, dotado de uma escrita linear e uniforme, "O Avesso da Pele" é um livro que traz uma mensagem de reconciliação, fundado na humanidade do ser humano atual, tão cheio de razão e desumanidade.

Como disse já no início, este é um livro necessário. Na verdade, a literatura de autores como Jeferson Tenório faz-se cada vez mais necessária no mundo de retomadas de falas e lugares de negros na esfera social, política e cultura do país. A literatura tem sido um forte catalisador de narrativas que recontam histórias negligenciadas pelo mundo acadêmico e pelo discurso narrativo embranquecido e eurocêntrico.

Como escritor e intelectual, com plena consciência do seu papel enquanto formulador de opinião, Jeferson Tenório mostra, a cada obra, que a estrada pavimentada por Teixeira e Sousa, Patrocínio, Firmina, Antonieta de Barros, Ruth Guimarães, Carolina e Conceição Evaristo agora lhe dá as condições de uma caminhada segura e em constante progressão.

Assim o vejo da primeira à última página de "O Avesso da Pele", que é, ao mesmo tempo, um passo adiante dos seus livros anteriores. A diferença é que "O Avesso da Pele" tem outra profundidade, se contextualiza com a memória de um tempo de afirmação, em que negros e negras resgatam seus legados, e se (re)afirmam em busca de fé e ancestralidade, ao se aprofundarem sobre as dores do racismo e das dolorosas feridas que nunca cicatrizam.

Jeferson Tenório torna este caminho palatável para quantos queiram segui-lo. Ele nos diz nas entrelinhas de sua escrita, ou em linhas gerais, que para se chegar a algum lugar é preciso dar os primeiros passos. No seu caso, de forma segura, esses passos têm a ver com resiliência e determinação.

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