Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Aniversário de 120 anos de Carlos Drummond é festa para a poesia brasileira

Perder o escritor, que conheci e que visitava, foi como perder um parente muito próximo

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No último dia 31 de outubro, o poeta Carlos Drummond de Andrade completaria 120 anos. Ele nasceu em 1902, numa fazenda, na cidade de Itabira, interior de Minas Gerais. Ainda criança, se mudou com a família para um sobrado bem ao centro da cidadezinha, que abrigada hoje rico acervo com sua história e a memória de sua família.

Eu tinha 23 para 24 anos quando conheci Drummond. Como todo jovem na minha idade, não medimos muito as consequências da vida e dos nossos arroubos literários.

A primeira vez que vi o poeta mineiro foi na casa de Plínio Doyle, em 1984. Doyle era bibliófilo, foi presidente da Biblioteca Nacional e criador do encontro de escritores chamado Sabádoyle —que teve entre os seus padrinhos o próprio Drummond.

O escritor Carlos Drummond de Andrade sorri para a câmera de Fernando Sabino; a cena faz parte do curta-metragem 'O Fazendeiro do Ar' - Divulgação

Minha relação com Doyle, que morreu aos 94 anos, em novembro de 2000, começou antes da de Drummond. Fui levado ao bibliófilo pelas mãos de seu bibliotecário, Olímpio José Matos, que também era funcionário da Biblioteca Nacional.

Eu pesquisava a vida do poeta negro catarinense Cruz e Sousa, sobre o qual escrevi uma densa biografia. Plinio tinha uma obra raríssima do poeta —o livro em prosa "Tropos e Fantasias", publicado de parceria com Virgílio Várzea, em 1885.

Plínio me recebeu galhardamente, e me abriu suas portas, levando-me a uma pequena sala, seleto gabinete de trabalho, onde me apresent ou a raridade, que peguei com mãos trêmulas e olhos marejados. A partir desse dia, nossa amizade nunca mais arrefeceu, e ele me apresentou a outros intelectuais, pesquisadores e escritores, frequentadores da casa, como José Galante de Sousa, grande especialista em Machado de Assis, Homero Sena, Homero Homem, Gilberto Mendonça Teles e Alphonsus de Guimarães Filho —são os que me lembro.

Quando saí da saleta onde permaneci por quase duas horas, tomando o corredor, que dava acesso à sala, deparei com vários homens reunidos —era dia do famoso Sabadoyle. Sereno e entocado a um canto, ninguém menos que Drummond, que o Olímpio José fez questão de me apresentar, devido a meu estado de paralisia quase absurda.

Cheguei a Drummond – que passei a tratar de "seu" Carlos Drummond —sem saber o que dizer— mas para logo abrir a boca para falar que era seu grande admirador e gostava muito de suas poesias e crônicas.

Minha surpresa foi que o poeta, conhecido por seu retraimento, me recebeu com mesuras e leve sorriso, e estendeu, em seguida, um pedaço de papel com seu telefone, escrito em letras miúdas. Tremi. Ele ainda disse: "Liga pra mim".

Levei cerca de duas semanas para ter coragem para ligar para o poeta. Lembro-me que estava no Largo da Carioca, minudo de fichas telefônicas, num orelhão velho e encardido, quando tomei a tal decisão. O telefone foi atendido pela voz de uma senhora, a esposa, Dona Dolores. Em seguida, ouvi a voz do poeta, que, em meio a surpresa, reclamou de mim, supondo que eu tivesse perdido o seu número, para logo dizer: "anota meu endereço".

Eu não sabia o que fazer. Achei que o poeta —aliás todos os poetas— fossem meio loucos, ao receber um desconhecido em casa. Drummond não era louco, era um homem sensível e um poeta genial, "um cronista da poesia", como certa vez eu lhe disse.

Fui algumas vezes ao apartamento do poeta, na rua Conselheiro Lafayete, número 60, entre Copacabana e Ipanema —lugar conhecido como Copanema, para os moradores locais, entre os quais, anos depois, eu.

Sempre fui recebido amigavelmente. Na ampla sala, tendo ao centro a mesa de madeira envernizada, comi os biscoitos servido por dona Dolores, que não fazia ideia que amizade era aquela entre um homem octogenário e um rapazola com fumos além dos vinte.

Trocamos cartas, que guardo como relíquias, e ele me presenteou com exemplar do livro de poesia "Lições de Coisas", publicado pela José Oympio.

Carlos Drummond de Andrade faleceu no dia 17 de agosto de 1987, uma segunda-feira à noite, e parecia que eu havia perdido um parente muito próximo. Senti uma grande dor e escrevi um poema em sua homenagem.

Hoje o poeta é mais do que centenário —fez 120 anos. Em Itabira, sua terra natal, uma série de festejos lembraram o poeta e sua obra, como o bem-sucedido 2º Festival Literário Internacional de Itabira, o Flitabira, organizado pelo valente Afonso Borges e que teve como estrela Pedro Drummond, neto do poeta e guardião de sua vasta obra, atualmente publicada pela Record. Viva Drummond!


Na quarta-feira passada (9), publiquei aqui na coluna um artigo fazendo um alerta sobre a presença de participantes negros na transição do governo eleito, Lula-Alckimin. Fui elogiado e atacado. Normal. Mas não admito ser usado por bolsonaristas —sobretudo os golpistas. Fiz um alerta, não uma reclamação.

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