Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Nós negros não nos vemos representados no comando do novo governo

Ninguém melhor que o povo preto, indígena, LGBTQIA+ para sentir na carne o que foi se manter firme na defesa de Lula

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Todos sabem da minha admiração pelo presidente Lula, e não é de hoje. Não faz muito tempo, postei nas minhas redes sociais foto do encontro que tive com ele, quando o presenteei com a edição do meu livro "Carolina, Uma Biografia", autora por quem ele tem enorme admiração e a homenageia sempre que pode.

O embate eleitoral, na disputa pela Presidência da República, deixou o Brasil com várias fissuras, com parte dos derrotados —além daquele silêncio indecoroso do atual presidente Jair Bolsonaro, tema de uma de minhas últimas colunas aqui— provocando badernas e bloqueios nas principais estradas e rodovias do país e manifestações nas portas dos quartéis.

Ninguém melhor que o povo negro, indígena, LGBTQIA+ para sentir na carne o que foi se manter firme na defesa de Lula —nos quatro cantos do país, desde os seus piores momentos—, e da democracia, durante esses quatro anos. Como disse uma emocionada jornalista Flávia Oliveira, no podcast "Angu de Grilo", que toca com a filha Isabela Reis —"nunca arredaram pé".

Foto do Palácio da Alvorada - AFP

Agora estamos na movimentação para a transição de governo e futura montagem do terceiro mandato de Lula no governo do Brasil. Mas como está se dando essa construção? Na ordem do dia, faz-se necessário tecer algumas reflexões importantes para que o povo preto possa entender o que está acontecendo. É preciso que o presidente eleito fale mais diretamente e esclareça que papel vai querer de pretos e pretas nesse processo eleitoral.

O governo que está deixando o Palácio da Alvorada foi muito pernicioso para a população brasileira e especialmente para os negros brasileiros. Para muito além da falta de política pública —e o desmonte de instituições como a Fundação Cultural Palmares, uma conquista do movimento negro brasileiro—, faltaram iniciativas no tocante à demarcação de terras quilombolas, ações contra assassinatos de jovens negros e maior incentivo sobre o programa educacional, sobretudo no campo das ações afirmativas.

Pretos e pardos —ou seja, negros, de acordo com a nomenclatura determinada pelo IBGE— representam 54% da população brasileira. Em termos econômicos, movimentam cerca de R$ 1,7 trilhão por ano, como revela a pesquisa "A Voz e a Vez, Diversidade no Mercado de Consumo e Empreendedorismo" —estudo realizado pelo Instituto Locomotiva a pedido do Instituto Feira Preta.

Em tese, se os negros do Brasil formassem um país, este seria o 11º do mundo em população, na casa de 114,8 milhões de pessoas, e o 17º em consumo, dada a sua representatividade. No entanto, 72% dos consumidores negros ouvidos pela pesquisa não se veem representados nas propagandas publicitárias veiculadas no país.

Essa sub-representação diz muito o que vemos agora na movimentação para a montagem da estrutura do governo de transição, o que deve refletir na composição do futuro governo. Ou seja, não há rosto negro na coluna de frente, com vez e voz para determinar o quadro geral de leitura do que queremos para os próximos quatro anos.

Não é possível pensar que, passados tantos anos, e diante do desprezo do governo que nos deixa —e já vai tarde—, com relação à política sobre questões raciais, nos deparamos com ausências de corpos negros na fotografia oficial dos próximos dirigentes da nação.

A desigualdade em desfavor do negro continua grande, e é ainda maior o racismo sistêmico e inercial —ações contínuas e históricas, com legados dos 350 anos sofridos de escravidão— conforme análise pertinente do professor Hélio Santos, presidente do conselho deliberativo do Oxfam Brasil.

Se é chegada a hora de dar os passos para mudança efetiva desse quadro, essa hora é agora.
Do ponto de vista atemporal, vivemos os últimos momentos da dita comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil. Ao que parece, vamos ter que repensar duas coisas: uma nova independência, com o protagonismo do negro, e uma segunda abolição da escravatura —tendo hoje uma Isabel bem pretinha e crespa.

No mais, ao que parece, ainda dependemos de um novo grito e de uma lei "áurea" que não traga apenas dois famigerados artigos —muito menos aquele que revoga "as disposições em contrário". Quais?

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