Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Ativismo negro de Lélia Gonzalez ainda orienta a luta de todas as mulheres

Livro destaca legado intelectual de militante brasileira três décadads depois de sua morte

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Em "Por um Feminismo Afro-Latino-Americano", a filósofa, pensadora, antropóloga, historiadora, professora e, principalmente, militante do movimento social negro Lélia Gonzalez norteia a fala de sua política antirracista brasileira e constitui as bases do empoderamento do feminismo negro no país.

A constituição do pensamento de Lélia Gonzalez é hoje, na dimensão ideológica racial, ponto de confluência de pensadoras e pensadores negros, no norteamento de pautas do processo histórico das lutas pela democracia, em que o "feminismo negro", como ela pontua, demarcou suas primeiras visões no enfrentamento do dilema do racismo que há séculos é estruturante na sociedade brasileira.

lélia com blusa e colar
A escritora Lélia Gonzalez, uma das principais intelectuais do feminismo negro no Brasil - Divulgação

Ler os artigos, ensaios, conferências e entrevistas enfeixados nesse livro nos remete a uma revisita importante do ponto de vista da historiografia negra feminina: Lélia Gonzalez amplia sua dimensão intelectual, cristaliza sua postura política no campo dos embates de questões fundamentais do racialismo das classes dominantes, base estratégica da elite branca, plena da tomada do poder, e desmonta conceitos arraigados da sociologia, na velha formulação de Gilberto Freyre, como o da "democracia racial", contida no opulento "Casa Grande & Senzala", pilar de construção do discurso hegemônico de negação e apagamento da contribuição da população negra para a riqueza da nação.

Lélia Gonzalez, feminista negra, uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU)
Lélia Gonzalez - Reprodução

Lélia Gonzalez formula dois conceitos que ainda precisam ser mais bem estudados e esmiuçados por aqueles que se debruçam sobre seu legado: o de "amefricanidade" e do "pretuguês". Este último, está sob a centralidade africana, no contexto da vida brasileira, enfocado no movimento negro. Já "amefricanidade" está carregado da sua visão latino-americana, de encontro a "apropriação do termo para definir apenas os estadunidenses, que, como categoria político-cultural, permite construir um entendimento mais profundo de toda a América", como assinala as competentes organizadoras do volume, Flávia Rios e Márcia Lima.

Ao se inteirar cada vez mais do processo das lutas antirracistas (que contagiou militantes como Angela Davis, nos Estados Unidos), como ativista do movimento negro e de mulheres, Lélia Gonzalez reflete sobre o passado escravista, na teoria e na prática, debatendo mitos preconceituosos relativos à mulher negra.

"Na verdade, o grande contingente de brasileiros mestiços resultou de estupro, de violentação, de manipulação sexual da escrava." Ela diz que é preciso derrubar a ideia de "mulher fácil", "boa de cama" - como responde no texto "Democracia Racial? Nada Disso!".

A lógica de "Por um Feminismo Afro-Latino-Americano" ecoa hoje com tudo o que o que propaga em termos de pensamento militante, sobretudo do feminismo negro. Na época de Lélia Gonzalez —morta há 30 anos–, tudo isso causava estranheza, fomentava discussões acaloradas e acirrava debates.

Ao falar de colonialismo, negritude, machismo, sexismo, violência contra a mulher, gênero, herança quilombola, escravismo, e, ao traçar perfis sobre Tia Ciata ou Clementina de Jesus, que ela chama de "eterna menina", Lélia Gonzalez traz para a agenda política pautas importantes e faz percurso de volta de resgate de mulheres que se tornaram referência em sua trajetória.

Hoje, a leitura dos seus textos abre muitos caminhos, tendo em vista o ineditismo da reunião nessa coletânea, que não só ilumina seu pensamento, mas que a torna, merecidamente, a mais importante militante feminista negra brasileira.

Lélia Gonzalez nasceu na cidade de Belo Horizonte, em 1935, e morreu no Rio de Janeiro, em 1994. Sua atividade política, no âmbito das questões raciais, está fortemente centrada no Rio de Janeiro, onde militou em partido político e movimentos sociais negros, como o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), o Coletivo de Mulheres Negras (Nzinga) ou o Movimento Negro Unificado (MNU).

Como ativista, não caminhou sozinha. Esteve com ela Abdias do Nascimento, Januário Garcia, Helena Theodoro, Beatriz Nascimento e Paulo Roberto dos Santos, entre outros. Dessa fase, em especial no centenário da abolição da escravatura, em 1988, Lélia Gonzalez demarca ainda mais o seu território de atuação política, escrevendo artigos para a imprensa negra e acadêmica, atuando em congressos e, sobretudo, pautando o acesso ao parlamento, já que chegou a se lançar deputada.

O pensamento de Lélia Gonzalez está vivo, pulsante, movendo uma sociedade, apesar da violência racial contra homens e mulheres negros, e da negação do avanço da ciência, sobretudo na formulação de teorias que indicam que civilizações africanas, desde a Antiguidade, também são superiores e evoluídas.

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