Na segunda (20), foi o Dia Nacional da Consciência Negra, festejado em pouco mais de mil cidades e em seis estados –Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo, o mais recente. Para quem é negro, oriundo de uma nação como a nossa que carrega o estigma de mais de 300 anos de escravidão, a data tem um gostinho muito especial –gosto muitas vezes amargo e dolorido.
A oficialização desse dia foi feita pelo governo através de lei federal nº 12.519, em 2011, mas não como feriado nacional – luta que ainda não encontrou amparo jurídico e político em nenhuma esfera do poder.
O projeto geral para concretizar a ideia do dia 20 de novembro vem da militância do professor e poeta sul-rio-grandense Oliveira Silveira (1941-2009), integrante do Grupo Palmares, na década de 1970, em Porto Alegre, em contraponto à figura da princesa Isabel e a comemoração do dia 13 de maio, consagrado à abolição da escravatura no Brasil.
A escolha da data pelo movimento negro porto-alegrense não foi casual. Ela faz referência ao dia 20 de novembro de 1695, quando foi brutalmente morto o líder negro Zumbi, comandante do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas. O grupo propôs, à época, uma data que lembrasse o "Dia do Negro" ou o "Dia de Zumbi".
Mas o nome que conhecemos hoje foi originalmente sugerido pelo militante e professor carioca Paulo Roberto dos Santos, ligado ao Movimento Negro Unificado (MNU). Dos Santos inspirou-se no filme "Wattstax", um documentário americano, de 1973, no qual o então jovem ativista afro-americano Jesse Jackson, num discurso emocionado, em Los Angeles, profere a frase "this is the day of back awareness" ("este é o dia da consciência negra").
O dia é marcado para refletir o racismo na sociedade brasileira, mas não é só. Refletir a data só não basta. A ideia é pressionar o estado brasileiro por transformações sociais, políticas e econômicas que atinja a população negra.
O último Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os negros representam 55,9% da população brasileira. Estes números indicam a necessidade de programas de políticas públicas, para atuar e reduzir os históricos sistemas de desigualdades que empobrecem e marginalizam negros nacionalmente.
O Brasil é um país onde a vítima de racismo é com suspeita e culpabilizada. A mentalidade se justifica. Dois terços da existência do país foram vividos sob regime de exploração de mão de obra escravizada – cerca de 350 anos de nossa história. Após a abolição, em 1888, a população livre negra viveu sob subalternidade e violência, exclusão e apagamento cultural. São poucos anos de luz no fim do túnel e real ativismo negro, referendados pelo sistema de cotas. Por isso, o 20 de novembro, não pode ser para discursos tranquilos, sem botar dedos nas feridas ou atacar o privilégio branco, a branquitude. É data de ativismo negro, de pressão e cobranças, alianças e respostas.
O relatório "Pele Alvo: a Bala não Erra o Negro", com dados de 2022, divulgado pela Rede de Observatórios no início de novembro, indica a manutenção do massacre de afrodescendentes entre nós. De acordo com o boletim do órgão, uma pessoa negra morre pela polícia a cada quatro horas.
Há dez anos, campanha da ONU Brasil (Organização das Nações Unidas), destacava que a violência contra negros brasileiros tem a ver com o racismo. Na época, números do Mapa da Violência, elaborados pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), contabilizavam que a cada 23 minutos um jovem negro morria no país.
É evidente que a morte dos jovens negros está relacionada com a cor da pele. O boletim da Rede de Observatórios, que monitora a letalidade policial em oito regiões, via Lei de Acesso à Informação, com dados obtidos junto as secretarias estaduais de segurança pública, em estados como Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo, registra 3.171 mortes relacionadas a cor e raça, onde negros somam 87,35% do total de 2.770 das vítimas. Bahia e Rio de Janeiro respondem pelos piores cenários, onde 66, 23% de todos os óbitos são contabilizados.
Por estas e outras razões, o Dia Nacional da Consciência Negra ainda é um palco muito pequeno para reparação de perdas e danos de vidas negras no Brasil. O negro brasileiro precisa de espaço e poder, ascensão cultural e financeira, para crescer e fazer a diferença.
São passados 328 do assassinato de Zumbi dos Palmares e 135 da abolição da escravatura no Brasil, mas pouca coisa mudou. Desigualdades e injustiças campam em terreno fértil, de norte a sul, livres de ações governamentais, vitimando uma população que, com muito suor e força de trabalho, edifica – e continua edificando – a grande riqueza do país.
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