Tostão

Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.

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Ritmistas e inventivos

Ritmista é alguém que faz as coisas acontecerem com harmonia, como nos ciclos biológicos e na natureza

Como escrevo às quartas e aos domingos e, por opção ou idiossincrasia, não tenho blog, Instagram, Twitter, WhatsApp nem trabalho no rádio ou na TV, comento algumas coisas sobre fatos que aconteceram vários dias antes e que já foram discutidos, consumidos, descartados. Quando leio a coluna no jornal, percebo que poderia ter escrito melhor e que, às vezes, ela ficou velha, embora mantenha a ilusão de que, pelo menos, tentei falar algo interessante, que contribua para alguma coisa.

Com o desenvolvimento da ciência esportiva, ocorreram muitas mudanças na linguagem futebolística. Seria um modismo ou um modernismo? Escuto, milhares de vezes, palavras e expressões, como amplitude, futebol apoiado, jogar entre linhas, atacar a bola, atacar o espaço e tantas outras. A mais recente é ritmista, dita por Tite e agora bastante repetida. O técnico banalizou a palavra, ao citar todos os armadores que já convocou como ritmistas.

Ritmista é alguém, em qualquer atividade, que faz as coisas acontecerem com harmonia, sem sobressaltos, com variações e intervalos regulares e periódicos, como nos ciclos biológicos e na natureza. Sem ritmo, seria o caos.

Quando falam de armadores ritmistas, lembro-me de Gérson, Xavi, Kroos e outros. Apesar de Gérson ter ficado na história como o mestre dos passes longos, era quem ditava o ritmo. Raramente, errava um passe e tinha o controle da bola e do jogo. O ritmista quase não dribla. Passa. Os grandes ritmistas jogam como se estivessem vendo a partida dos camarotes, equipados com controle remoto, GPS e computador. O controle remoto pararia o lance para que eles vissem o posicionamento dos companheiros e dos adversários e, a partir daí, fizessem a escolha certa.

Entre os ritmistas atuais, o mais clássico é Kroos, o que não significa que seja o melhor meio-campista. De Bruyne é mais completo. Além de dar o ritmo, tem uma técnica mais abrangente. Iniesta é o artista, inventivo, que quebra o ritmo, no instante certo. Ele e Xavi se completavam. Outra grande dupla foi Gérson e Rivellino na Copa de 1970, a união do organizador, do ritmista Gérson, com a técnica e a explosão individual de Rivellino.

Entre os ritmistas que atuam no Brasil, os que mais gosto de ver são o experiente Maicon e o jovem Arthur, ambos do Grêmio. Melhor que um é ter dois. Arthur é uma esperança de se tornar, pelas características, o substituto de Xavi, no Barcelona, quem sabe fazer dupla com Iniesta, embora o croata Rakitic seja também um bom ritmista.

Não se deve confundir o meio-campista ritmista com o volante que marca bem e que tem ótimo passe, como Busquets, Casemiro e Fernandinho. Nem com o meia ofensivo, que atua perto do gol. Falta à seleção brasileira um craque ritmista. Em compensação, nenhuma outra seleção tem tantos meias e atacantes hábeis, rápidos e dribladores, como Douglas Costa, Coutinho, Willian e, principalmente, Neymar.

Uma nova geração de meias e de atacantes velozes, habilidosos e dribladores vem por aí, com Vinícius Júnior, do Flamengo, Rodrygo, do Santos, e Paulinho, do Vasco. Se Vinícius Júnior quiser ser um craque, terá de, entre um belo gol e outro, nos intervalos de sua volúpia de talento, ser menos afoito, confuso, errar menos e jogar com mais ritmo.

Arthur chuta a bola durante partida do Grêmio contra o Guaraní, do Paraguai, pela Libertadores
Arthur chuta a bola durante partida do Grêmio contra o Guaraní, do Paraguai, pela Libertadores - Jorge Adorno - 20.abr.17 - REUTERS

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