Transparência pública

Maria Vitória Ramos e Bruno Morassutti, cofundadores da Fiquem Sabendo, abordam transparência e acesso à informação pública

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Transparência pública
Descrição de chapéu forças armadas

Quando os militares vão entender que são servidores públicos?

Forças Armadas não prestam contas como resto da administração, mas transparência pode ajudá-los a recuperar confiança dos cidadãos

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Passados 35 anos da redemocratização do Brasil, as Forças Armadas ainda apresentam posições institucionais incompatíveis com princípios republicanos tão básicos quanto transparência e prestação de contas.

Experienciamos de perto um exemplo emblemático da resistência dos militares brasileiros em seguir as mesmas regras às quais estão submetidos os demais 744 mil servidores públicos federais.

A imagem mostra um grupo de militares em uniforme branco e preto, alinhados em formação, realizando uma apresentação. Eles estão com os braços estendidos, em uma posição de saudação. Na parte inferior da imagem, há um grupo de pessoas assistindo ao desfile, algumas segurando uma bandeira do Brasil. O ambiente parece ser ao ar livre, possivelmente durante um evento cívico.
Desfile das Forças Armadas nas comemorações da Independência do Brasil, realizado no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo - Danilo Verpa - 7.set.23/Folhapress

Foi em 2020, quando a Fiquem Sabendo obteve uma vitória histórica no TCU (Tribunal de Contas da União), que acatou por unanimidade nossa denúncia e determinou "a divulgação da base de dados, em formato aberto, dos pensionistas vinculados ao Poder Executivo Federal".

Quando obtivemos o acesso a esses dados, publicamos as informações dos pagamentos dos servidores civis na nossa newsletter, a Don't LAI to me. Logo na sequência, começamos a receber mensagens de alerta de cidadãos avisando que as pensões de parentes de militares não estavam na base.

Assim que descobrimos essa omissão bastante séria questionamos o Ministério da Defesa. A resposta? Argumentaram que não estariam inclusos na decisão do TCU. Ora, se a decisão do tribunal abarcava a publicação de todos os pensionistas vinculados ao Poder Executivo Federal, por que não valeria para militares?

Foi preciso entrar com uma nova denúncia no tribunal, que, felizmente, reiterou o óbvio: só existem três Poderes no Brasil. As pensões pagas a parentes de militares chegaram mais de um ano depois das dos civis, em 2021, e com muito suor.

Ao final dessa batalha, conseguimos trazer transparência para mais de R$ 400 bilhões gastos ao longo de 30 anos e mostramos, em parceria com a revista piauí, que os pagamentos a meio milhão de pensionistas civis e militares chegavam a R$ 36 bilhões, ultrapassando os R$ 32 bilhões à época destinados a 14,7 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família.

Durante esse processo ainda descobrimos que o pagamento das pensões para parentes de militares se dava por um sistema diferente daquele utilizado para os civis. Pior: o Ministério da Economia e a CGU (Controladoria-Geral da União), responsáveis pelo controle e fiscalização dos recursos públicos, simplesmente não tinham acesso ao sistema. Ou seja: as despesas com mais de 460 mil pensionistas de militares eram uma caixa-preta até para o governo.

O resultado dessa falta de controle e supervisão foi uma série de pagamentos acima do teto constitucional, com pessoas recebendo pensões duplas e até triplas como parentes de civis e de militares simultaneamente.

Atualmente, estamos entrincheirados em uma nova batalha: pelo acesso as informações cruciais sobre controle disciplinar e punições contra militares. No caso dos demais servidores, desde 2004 existem estatísticas sobre o assunto, como quantidade de processos instaurados, concluídos e arquivados. Os nomes dos servidores punidos, seja com multa, advertência, suspensão ou expulsão, são integralmente públicos, assim como seus processos disciplinares.

No caso dos militares, até pouco tempo atrás as três Forças, baseadas na hierarquia e disciplina, relatavam não ter estatísticas quanto ao tema, em especial no caso de processos disciplinares contra cargos e patentes superiores. Depois de vários pedidos, conseguimos, ao menos, alguns dados.

Quanto ao teor dos processos em si, até o presente momento existe uma recusa institucionalizada em dar acesso às informações, mesmo no caso de militares expulsos por cometerem crimes em prejuízo ao próprio patrimônio e à reputação da Força, como corrupção, tráfico de drogas e homicídio.

A Aeronáutica alega que a divulgação dos militares expulsos poderia "aniquilar o sistema de comando das Forças". O Exército diz que publicar informações referentes "à honra pessoal, ao pundonor militar e ao decoro da classe" poderia "causar danos à administração militar". Já a Marinha afirma que a divulgação poderia "gerar questionamentos quanto à capacidade de liderança daquele que estiver em posição de comando".

Além de anterior à Constituição, esse tipo de pensamento já foi superado e enterrado tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto por TCU e CGU. Em uma República, não é possível existir responsabilidade sem a devida prestação de contas, publicidade e transparência. E mais: os integrantes das Forças Armadas são tão servidores quanto os outros e deveriam se entender dessa forma.

As Forças Armadas são muito confiáveis para 37% dos brasileiros, maior índice entre dez instituições pesquisadas pelo Datafolha. Todavia, esse percentual já foi bem maior. Mais transparência pode ajudá-la a retomar a confiança perdida.

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