Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Eleições 2018

Mulheres que votam no Bolsonaro?

O sofrimento, para ser legitimado, requer reconhecimento social

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A pergunta que não quer calar: por que mulheres votariam em Jair Bolsonaro (PSL), uma vez que ele é sabidamente misógino? Por que votariam em um homem que não perde a oportunidade de desrespeitá-las? E aos índios, aos negros, aos homossexuais, aos judeus, aos pobres...

Em primeiríssimo lugar, torço pelo pronto restabelecimento do candidato à Presidência e repudio qualquer violência. É apenas no debate das ideias que poderemos resolver nossas diferenças políticas. Para contribuir com o debate, reflito sobre o lugar das eleitoras na votação que se aproxima. 

Lembremos de algumas mulheres, vindas de países mais machistas que o nosso que, ao chegarem ao Brasil, vão à delegacia reclamar que apanham do marido, invocando a Lei Maria da Penha. Quando os respectivos maridos são chamados a se explicar junto ao delegado, não entendem de pronto do que estão sendo acusados. Como bater na esposa é algo considerado tolerável no seu país de origem, fica difícil para eles identificarem esse gesto como crime.

Elas sofriam, mas interpretavam apanhar do marido como mais um fato desagradável em suas vidas. Algo como ouvir "a moça é culpada de ter sido estuprada porque usava roupa insinuante" e achar essa frase totalmente normal.

O sofrimento, para ser legitimado, requer reconhecimento social. Ele não é um dado puro. Existem coisas sobre as quais nos parece legítimo reclamar e outras que supomos serem "mimimi". Nem os maridos, tampouco as mulheres, percebiam a gravidade da situação antes de se mudarem para cá. 

Há que se reconhecer primeiro como cidadã de plenos direitos e como ser humano, acima do gênero, raça ou condição social, para ser capaz de reivindicar o mesmo tratamento dado aos que são considerados cidadãos de primeira classe

Trata-se de mulheres que até então não questionavam sua condição, embora sofressem as consequências dela, e que acabavam compactuando com a desvalorização a que estavam submetidas.

Quando encontraram uma situação inédita de direito da mulher e, portanto, de reconhecimento de sua dor, a situação mudou para algumas. 

Não para todas, obviamente. Seja pela falta de segurança, pela proteção dos filhos, pela precariedade das condições de existência, por vergonha, poucas conseguem denunciar publicamente a violência.

Outro fator que as impede de fazê-lo, e esse é o ponto assustador que tento ressaltar, é acreditarem que merecem esse tratamento, por se identificarem com o discurso do agressor. Elas são mulheres, portanto, merecem.

Assim como as mulheres descritas acima —que não questionavam o significado da condição feminina— as eleitoras de Bolsonaro também não reconhecem a desvalorização a que estão submetidas. Para elas, o candidato as valoriza como elas estão habituadas a serem valorizadas.

Não há diferença entre o que ele fala e o que elas realmente pensam de si: que são culpadas de serem estupradas, devem receber menos do que os homens por gestarem os filhos (dos homens!) e outras provas de que são cidadãs de segunda classe. Sendo assim, encontram no candidato a opção ideal que representa o que pensam sobre si mesmas.

Considerar a todos nós igualmente humanos é a base da ética cristã apropriada ironicamente por candidatos violentos, que não toleram outros seres humanos. "O Conto da Aia" (Margaret Atwood, 1985) livro e série de televisão, concentra num futuro distópico todo o horror (e luta) vivido pelas mulheres ao longo da história. Fica a dica.

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