Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Do que se queixa o adolescente?

Tentar agradar quem precisa te superar é uma tarefa inglória

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Como todo ser humano, tenho meus defeitos. Não esperem que eu os conte aqui, esta não é a coluna da querida Tati Bernardi (que escreve às sextas-feiras aqui).

A questão é que pais e mães que, como eu, são capazes de reconhecer suas limitações, desconfiam que seus filhos reclamam de algo neles para além do razoável. Uma queixa difusa, onipresente, que faz com que um simples bom dia seja respondido como declaração de guerra.

Como alguém que parece estar curtindo a vida adoidado e se achando a “última bolacha do pacote”, pode ser tão mal-humorado? E pior, durante anos?

A parte fácil da resposta é que os adolescentes não se divertem tanto quanto as propagandas de refrigerantes cariogênicos fazem parecer, enquanto mostram sorrisos com arcadas dentárias intactas.

Queixas de adolescente
Queixas de adolescente - imagesetc - stock.adobe.com

O adolescente tem tudo a provar para si e para os outros, enquanto pais costumam achar que corpo jovem e vida de estudante resolvem todas as angústias da humanidade. Haja amnésia da própria adolescência!

Pais e mães, desde que se meteram a tentar ser amigos dos filhos, se desesperam diante de cada rejeição e cara feia que enfrentam. Detesto ser estraga prazeres, mas temos muito a ganhar se abrirmos mãos de falsas expectativas.

Amigos não mandam escovar os dentes, tomar vacina, estudar e outras encheções que cabem a pais e mães dedicados. Criar intimidade, promover afinidades e confiança não implica na troca de confidências e acobertamento esperados entre amigos.

Mas algo está para além da queixa de nossos defeitos reais, ainda que sejam inúmeros. Somos alvos de sua insatisfação por sermos seus pais e mães, razão óbvia e ingrata.

É mais fácil sermos queridos e admirados pelos amigos dos nossos filhos, do que pelos nossos próprios filhos. O mesmo serve para os pais e mães dos amigos deles, que se tornam facilmente seus ídolos. De que se queixam, afinal, nossos adolescentes?

Não temos como lhes poupar da desilusão, do vexame, do corpo que não obedece, do(a) namorado(a) que não corresponde, da dúvida sobre suas próprias competências ainda desconhecidas, das broncas do(a) chefe/professor, enfim, lhes demos a vida e não temos como vivê-la por eles. Falta grave e irremediável. 

Assoprar o joelho ralado nunca curou nada e, se não aconteceu nenhuma catástrofe na vida deles, foi mais por uma contingência do que pelos nossos superpoderes. A crença nos poderes mágicos dos adultos é proporcional à bateção de porta e tromba de elefante que nos espera.

Não é suficiente nos mostrarmos humanos frente aos filhos —tampouco, despejar nossa fragilidade nas costas deles!—, pois são eles mesmos que têm dificuldade em abrir mão da crença de que alguém teria um poder superior. Há conveniência em acreditar no mito que nos salvará, sob o preço de sermos eternamente tutelados.

Diante de tamanha decepção cria-se o ressentimento, que só será perdoado quando eles mesmos pararem de se cobrar a perfeição. Para os filhos, antes de sermos fulano ou sicrano, somos verdadeiras entidades representativas de tudo o que eles querem e não querem ser.

Toda vez que deparam com nosso envelhecimento e ignorância ficam indignados por estarmos aquém do mito. Se nos veem potentes e realizadores, nos tornamos opressivamente inalcançáveis.

Tentar agradar quem precisa te superar é uma tarefa inglória. Exigir respeito e educação, por outro lado, é obrigatório. Fica mais fácil se entendermos que nem toda raiva é mérito de quem somos, mas da posição que ocupamos. Detalhe: nem todo o amor, tampouco!

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