Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Vera Iaconelli

Escolha sua fantasia

O Carnaval de rua sustenta a pouca sanidade mental deste país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O Brasil está se “guardando para quando o Carnaval chegar” há mais de um ano, não porque o Carnaval é anual, mas porque estamos sob o jugo de um governo que prega o lazer exclusivamente para a elite. 

O argumento de que o ministro Paulo Guedes deveria pensar antes de falar ignora que um ministro da Economia deveria, acima de tudo, pensar diferente.

Não adianta ficar chocado porque ele não consegue disfarçar a proposta segregacionista sem ficar chocado com a proposta em si.

Marcelo Adnet fez um vídeo impagável em 2012, no qual um tipo representando a fina flor da cafonália brasileira se queixa de que os pobres nos aeroportos atrapalham a decolagem de seu jatinho particular.

De lá para cá, o humor se tornou cada vez mais tragicômico neste país, pois o escárnio é a nova política.

A frase sinistra de que “até as domésticas estavam indo para a Disney”, muito além de ofender a classe pobre, acertou em cheio na classe média que votou em Bolsonaro aspirando voltar a viajar para o exterior —como fazia durante a bolha cambial promovida por governos anteriores.

As trabalhadoras domésticas, salvo exceções que podem ser citadas nominalmente, nem chegaram nesse ponto. 

Para quem não quer trombar com pobre usando aeroportos, shoppings ou elevadores sociais a sugestão é viajar para Miami no Carnaval —ou Foz do Iguaçu, como sugere o ministro— pois esse é o momento, por excelência, no qual a cidade se mostra perigosamente democrática.

O Carnaval de rua —reconquista importantíssima e recente de nossa cidade— é a festa na qual se celebra a oportunidade de ocuparmos o espaço público, lugar do qual o cidadão se vê usualmente privado por distinções sociais, de racismo e de gênero.

Mesmo quem prefere ficar fora da rua e da folia é capaz de reconhecer a magnitude desse evento nacional, suas implicações sociais, econômicas e políticas.

Não é à toa que já em fevereiro de 2019 o presidente tentava difamar a festa popular —que sustenta a pouca sanidade mental deste país— com a polêmica do “golden shower”. 

Não adianta dizer que acontecem roubos, violência, atentado ao pudor e uso de drogas nessa ocasião, porque temos isso todos os dias na cidade sem a vantagem de vivermos uma festa pública.

Existem blocos cheios de bebês, seus pais e avós, dos quais se sai com torcicolo de tanto olhar os baixinhos brincando.

Tem aqueles nos quais a nuvem de maconha é densa o suficiente para criar o primeiro sistema wi-fi de consumo de Cannabis.

Há aqueles onde a pegação é garantida e aquelas nas quais é terminantemente condenada. Existem blocos onde o “golden shower” está na conta e os participantes não vão desavisados —só vai quem quer. 

Gospel, sertanejo, axé, rock e até samba estão no cardápio para ninguém dizer que o problema é a trilha sonora.

Cria-se a oportunidade única de sair tanto das periferias quanto dos carros blindados para brincar no asfalto.

As campanhas para evitar doenças sexualmente transmissíveis, gravidezes, assédio a mulheres e gays, produção de lixo, consumo excessivo de álcool, destruição do mobiliário urbano, desrespeito à fantasia alheia revelam uma oportunidade única de educar para a cidadania e para o autocuidado.

O maior espetáculo da Terra —a redonda, não a plana— é a possibilidade de compartilharmos o espaço público de forma digna e inclusiva com os demais cidadãos.

Diferentemente do Exército, não se trata de tentarmos ser iguais, pois, mesmo em bloco, cada um tem que escolher e ostentar a sua própria e singular fantasia.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.