Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Desculpe, chefe, estou grávida

A alegria por um filho não orna com o anticlímax no trabalho

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O que se diz a uma pessoa que anuncia uma gravidez? De pronto, nada.

Alguns segundos de pausa dramática podem ser de bom tom. Enquanto isso, tente adivinhar o humor que segue a declaração. Gravidez é um acontecimento biológico que só o portador da notícia saberá avaliar se é caso de comemoração, choro ou enfado. Entre a vida sexual que buscamos ter e o número de filhos que queremos, fica a prova de que reprodução e sexo não se confundem na espécie humana. Então, por vezes, trata-se de uma péssima notícia.

Imaginemos, no entanto, que por trás da concepção tenhamos uma família (de qualquer gênero) animadíssima com a ideia de colocar um fedelho no mundo. Ou ainda, prestes a adotar uma criança de qualquer idade. Nesses casos, a chegada do filho costuma funcionar como uma pedra jogada no lago, repercutindo em ondas sobre toda a família. Misto de alegria e apreensão pela vinda do neto/a, do irmão/a, do primo/a e todo o rebuliço que isso causa.

A feliz encrenca foi anunciada e o espumante —que a gestante não pode beber— espocou com as boas novas! A alegria na família, no entanto, não orna com o anticlímax, que muitas mulheres são capazes de antever. Elas sabem que em breve deverão contar ao chefe/a da sua gravidez. Cena insólita e reveladora das condições surreais nas quais as mães estão inseridas hoje. Digo mães por um viés cultural que as coloca nesse lugar, mas que deve ser combatido, não naturalizado.

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Mulher trabalha durante a gravidez - Adobe Stock

“Desculpa aí, chefe/a, mas eu tô grávida” revela a sandice de aspirar a que funcionários só tenham vida para trabalhar. Qualquer projeto pessoal fora disso aponta para o inconveniente fato de que somos seres humanos. “Seja profissional” hoje pode ser traduzido por: não tenha uma vida.

Ideia que comunga com a exigência da era zap de ter que atender chamadas de trabalho a qualquer hora ou sentir-se constrangido ao sair de férias. Detalhe: não seria dessa sanha neoliberal que os jovens de hoje fogem como o diabo da cruz? Anos de escolas caríssimas sendo desbancados por uma geração avessa ao estilo profissional dos pais, que tampouco se mostram felizes com a vida que levam?

Voltando. Gestantes e mães adotivas (engenheiras, médicas, psicanalistas, professoras, empregadas domésticas…) trêmulas diante de colegas e chefes que em breve saberão de sua terrível traição. Estou grávida ou adotei uma criança, são as frases que fazem com que anos de trabalho sejam apagados da memória e te jogam para o final da fila das promoções e encaminhamentos.

Aqui me interessa não o olhar equivocado daquele que julga a futura mãe, mas a forma constrangida como a própria se declara. Sabemos que somos histórica e ideologicamente responsáveis pelo cuidado com os filhos e injustamente penalizadas pelos meses de gravidez e amamentação, mas por que vestimos a carapuça?

Além de sermos penalizadas com salários menores por tirar licença maternidade, por cuidar dos filhos no dia a dia, por oferecer o próprio corpo na reprodução, continuaremos a pedir desculpas por colocá-los no mundo? Não são poucas as mulheres que compactuam com essa mentalidade, revelando a alienação ao discurso misógino. Oprimem outras mulheres sem reconhecer o tiro no pé.

Assumir a chegada de um filho no local de trabalho como um direito e não um estorvo é assumir que não podemos reproduzir a intolerância da qual nos queixamos.

A frase correta seria: “Estou grávida e aceito os parabéns em nome da tua mãe”.

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