Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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O Carnaval da verdade

2024 tem confluência entre o rescaldo da pandemia, um ano de governo Lula e operação Tempus Veritatis

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O Carnaval deste ano caiu muito próximo da modorra de janeiro. Mesmo quem não faz recesso nesta época sabe que a cidade fica em ritmo de férias escolares, calor apocalíptico e enchentes ultrajantes. Emendar com o Carnaval é ter de reconhecer que o ano começará antes do esperado. Além disso, a folia do rei Momo não acontece em um ano qualquer. 2024 vem marcado pela confluência entre o rescaldo da pandemia, um ano de governo Lula e a operação Tempus Veritatis.

Embora gostemos de acreditar que o sofrimento relacionado ao vírus tenha acabado, é sempre bom lembrar que o tempo de elaboração do inconsciente não segue o calendário. Faz dois anos que a pandemia nos deixou, mas seus estragos ainda se fazem sentir no luto por entes queridos, na derrocada econômica, no atraso de desenvolvimento de crianças e jovens, nas mudanças irreversíveis do uso da tecnologia para o bem e para o mal.

Políciais federais deixam prédio onde fica a sede do PL em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Ainda precisaremos escutar jovens que passaram anos cruciais sem o necessário convívio com seus pares, assim como as crianças que viram suas habilidades sociais reduzidas pela falta de estímulo. O trauma é tanto maior quanto tentamos ignorá-lo. Teremos que manter aberta a conversa sobre esse período no qual as relações foram estressadas ao máximo levando à casamento e divórcios antecipados, e muita violência doméstica.

Quanto à mudança de governo, estamos em seu anticlímax. Anos de luta contra o pior presidente que tivemos nos permitiram tirar o bode da sala, mas os problemas que o antecedem continuam firmes e fortes. A esperança em Lula esbarra na combinação entre a realidade pós-Bolsonaro/pandemia, as forças políticas em ação no Congresso hoje e, bem, o próprio Lula.

Como sabemos, um dos políticos mais hábeis de nossa história pode ser de um pragmatismo atroz. Alguns personagens da icônica subida da rampa caíram logo no começo de sua gestão. Comemoramos sua chegada com razão, mas vivemos o paradoxo de que o alívio inicial não vem acompanhado de direito a relaxar, pois a democracia entre nós se mostra um eterno devir.

Sobre a operação Tempus Veritatis, deflagrada na concentração do Carnaval, já não se trata só de desfazer o malfeito, mas de dar um passo além. Se as condenações forem julgadas com justiça e bancadas, o Brasil pode avançar em um terreno inédito. Trata-se de sair do atoleiro moral que o define como país da impunidade. O país que não conseguiu responsabilizar pessoas ligadas às arbitrariedades, às torturas e aos assassinatos durante a ditadura e que faz conchavos para poupar militares tem uma nova chance agora.

A Comissão da Verdade fez um trabalho hercúleo que custou a presidência da República à Dilma Rousseff. Embora seu governo fosse problemático, sabemos que um impeachment depende menos do que os governantes fazem de errado do que do caldo político que os sustenta. A cada nova notícia, Rousseff não cansa de ser vingada.

A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (Cemdp), extinta no final do desgoverno Bolsonaro, aguarda sua reinstalação exigida desde a posse do ministro dos direitos humanos Silvio Almeida. Está aí uma coisa que o governo Lula deveria investir em um momento especial no qual o joio pode ser separado do trigo. A desmoralização pública dos maus combatentes deve ser encampada por aqueles que têm motivos reais para se orgulhar de vestir a farda.

O Brasil pode fazer jus ao termo país do Carnaval naquilo que ele tem de democrático, popular, público, otimista e festivo. Mas para isso terá que encarar sua "hora da verdade".

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