Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente Natal

Parabéns, você sobreviveu a 2022

Este foi o ano de encarar do que somos capazes, para o bem e para o mal

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Se você está lendo esta coluna é porque, até aqui, sobreviveu ao fatídico ano de 2022. E não apenas por continuar a respirar —ainda que isso não seja pouco. Mas por ter sobrado fôlego para leitura, demonstrando a crônica necessidade humana de buscar sentido para a existência. Busca que se tornou obsessiva neste ano.

Quebramos a cabeça tentando entender como nos deixamos representar pelo que há de mais nefasto em nós, aquilo que sempre existirá, mas nunca deveria ser motivo de orgulho ou ostentação. Ter como figura máxima da nação o ex-presidente é prova de que deixamos emergir nossa pior versão, a que é incapaz de ser solidária e conciliadora.

Foto mostra ônibus em chamas à noite
Bolsonaristas queimam veículos em Brasília em mais um episódio de atos antidemocráticos - Pedro Ladeira - 12.dez.2022/Folhapress

Não houve dia em que não se questionassem sociólogos, economistas, psicanalistas, cientistas políticos, enfim, que não se buscasse responder de onde partiu o trem que nos atropelou. A palavra negacionismo circulou nas acusações contra terraplanistas e golpistas, mas não podemos esquecer dos sinais insistentemente ignorados, aqueles que emergem das práticas político-econômicas da atualidade. O "cada um por si" da toada neoliberal, o "empresário de si mesmo", que tenta apagar as reais condições de vida e as diferenças sociais, se revelaram em toda a sua crueldade.

O que não fomos capazes de reconhecer por conta própria a pandemia acabou por obrigar a fazê-lo: não há corpo social que sobreviva ao individualismo atroz. A indiferença tornou-se escândalo diante da morte por falta de comida, oxigênio e assistência médica. Mas, se a pandemia escancarou, de certo não criou nada. A uberização das condições trabalhistas, o desgoverno e a reentrada no mapa da fome não precisavam da Covid-19 para serem reconhecidos, bastava tirar a cara para fora do vidro blindado do carro para apreciar a miséria ao redor.

Ainda assim, sobrevivemos para enterrar nossos queridos que não tiveram tanta sorte e para lutar em nome deles contra o descaso e o escárnio governamental. Encaramos uma das disputas eleitorais mais sujas e temerárias da nossa história, o pleito sendo contestado de forma inédita com a única intenção de roubar no tapetão. A tensão desses meses foi gigantesca e pudemos acompanhar pacientes cujo drama pessoal (tratamentos de câncer, perdas familiares) chegava a ser ofuscado pela sensação de insegurança diante do futuro incerto do país.

Vimos nossas crianças buscando fazer o luto do tempo longe da escola presencial, tentando retomar seu lugar no espaço público. O sofrimento e o adoecimento na volta aos espaços presenciais eram esperados pelos profissionais da saúde mental. Pois embora o luto seja um processo psíquico básico, os tempos encurtados e a falta de cuidado com as relações sociais na contemporaneidade o têm feito descambar em depressões e outras formas de adoecimento cada vez mais frequentes.

A Copa, promessa de alento e união, trouxe a nostalgia de um país no qual a bandeira, o hino e a camisa da seleção eram símbolos incontestes. O lamento com a perda parecia coerente com o clima de 2022, pouco afeito a grand finale.

Nenhuma data tem sido tão ansiada como este Ano-Novo, que se revela o rito mais apropriado para começar a curar essa ferida, pois, diferentemente do Natal, não há o peso da família e da religião. O clima geral é de "só queremos que este ano acabe".

O Ano-Novo se comemora com a cor da paz, nada é mais apropriado para o momento. Mas o que torna o final de 2022 tão ansiado é a esperança de que ele leve consigo os últimos quatro anos. Daí o peso dessa espera e a esperança de um alívio proporcional a ela.

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