Pode consolidar ciclo de violência
Pablo Ortellado
O que mais preocupa no atentado contra Jair Bolsonaro é a possibilidade de o episódio consolidar no país um ciclo de violência política. Nos últimos anos, temos visto seguidos episódios de violência ameaçarem o funcionamento regular da democracia brasileira. Esse funcionamento “regular” nunca foi desprovido de violência política, mas ela parecia restrita ao interior do país, ao chamado Brasil profundo.
Em 2007, a jornalista Natália Viana mapeou os assassinatos políticos no livro “Plantados no chão” (Ed. Conrad), que mostrava que o fim da ditadura não tinha posto fim à violência política, sobretudo no campo. Foi também no Brasil profundo onde aconteceu a maior parte dos assassinatos de jornalistas compilados nos relatórios anuais da ONG “Repórteres sem fronteiras”. Pois é esse padrão de violência política circunscrita a regiões afastadas que parece ter mudado.
Desde o início do processo de polarização, vimos suceder casos de violência política cada vez mais graves nas grandes cidades: vários atentados a bomba contra sedes do PT em São Paulo e Curitiba, a agressão a um empresário antipetista em frente ao Instituto Lula, os tiros disparados contra a caravana do ex-presidente Lula no Paraná, os tiros disparados contra o acampamento pró-Lula em Curitiba, a agressão a jornalistas no sindicato dos metalúrgicos em São Bernardo e o assassinato de Marielle Franco, crime gravíssimo que ainda não foi esclarecido.
Se a simples enumeração desses episódios não assusta, convido o leitor a olhar em volta, na nossa região e refletir sobre os ciclos de violência consolidados na Venezuela, na Colômbia e no México. A grande dificuldade de interromper esses ciclos é que, a cada volta, eles se reforçam num processo de retroalimentação. Cada novo episódio é um revide a um episódio anterior e cada lado acusa o outro de ser o responsável por ter dividido o país e começado as agressões.
Está na hora de as lideranças dos dois campos refletirem e controlarem os mais exaltados antes que seja tarde demais.
Lunáticos também escrevem a história
Leandro Narloch
A tentação sociológica é irresistível. Tendemos a engendrar uma explicação social para as manchetes do noticiário —uma narrativa segundo a qual um episódio é fruto de um traço ou tendência da sociedade brasileira. Mas a influência social não explica tudo —seu poder é muito menor do que professores de ciências humanas acreditam.
Em muitos casos, a biologia humana ou a medicina explicam mais. O homem que ejaculava em mulheres nos ônibus de São Paulo não é produto do machismo ou da “cultura de estupro”. Segundo a família, ele passou a ter aquele comportamento bizarro depois de sofrer um acidente de carro que danificou seu cérebro.
Da mesma forma, Adelio Bispo de Oliveira não esfaqueou Bolsonaro a mando do PSOL ou porque era de esquerda. É forçar a barra dizer que foi motivado pela descrença na democracia, pela tensão das redes sociais ou pela intolerância de socialistas mais raivosos.
O agressor de Bolsonaro é um lunático. Como o homem que atirou em Ronald Reagan em 1981 para ficar famoso, ou o fã que um ano antes matou John Lennon. Oliveira disse ter esfaqueado Bolsonaro a mando de Deus; lutava contra uma suposta conspiração da maçonaria. Segundo um parente, passava o dia sozinho num barracão da família.
Mas lunáticos, não só gente sã ou grandes personalidades, também escrevem a história. Dependendo do que ocorrer nos próximos dias, o atentado contra Bolsonaro tem, sim, algum potencial para desestabilizar a democracia.
A piora do quadro médico do candidato pode resultar em convulsão social e uma escalada de violência. Teremos um problema se adversários ideológicos deixarem de acreditar nas eleições e no debate como formas de enfrentamento político. Quero acreditar que há poucas chances disso acontecer. Partidos e candidatos a presidente se apressaram para condenar o atentado e até desejar uma boa recuperação ao adversário. Fora alguns malucos e espantalhos da internet, a democracia ainda tem valor entre as forças políticas do Brasil.
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