Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Governo de 2019 tem de começar hoje

Conversa mole de candidatos importantes sugere alheamento desvairado da crise

Os candidatos mais importantes a presidente ainda não se deram conta de que precisam governar o país mesmo antes da posse. Mais grave, mesmo antes de vencerem a eleição.

Estabilizar a economia e organizar a política são tarefas imensas, sabe-se desde 2014 (sic). Depois do impeachment, quase não houve progresso quanto à penúria do governo, à pane econômica e ao desarranjo odiento da política —houve estabilização da crise, apenas.

Pior, desde maio começou nova onda de degradação. Há aperto das condições financeiras, aumento das taxas de juros reais na praça do mercado, alta ainda modesta do dólar.

Há desânimo renovado de consumidores e empresas. Índices de mercado e de confiança econômica são voláteis e volúveis, decerto. Mas é preciso começar desde já o governo das expectativas.

Mais grave do que esses primeiros calafrios dos donos do dinheiro grosso (e mesmo dos menos afortunados) é o alheamento desvairado quanto à gravidade da situação.

Jair Bolsonaro (PSL), líder das pesquisas sem Lula, reconhece e alardeia que nada entende de políticas públicas, em particular de problemas de administração econômica ("entender de economia" é outra coisa, não se faça confusão ainda mais ignorante). Logo, confessa que pode ser marionete de seu eventual superministro, Paulo Guedes.

Não é atitude que inspire muita confiança em um presidente. Ou seria um títere que sempre pode vir a ganhar vida e assumir seus cordéis, dando sabe-se lá qual direção ao governo, ou pode ser o contrário: usa o economista ultraliberal como fachada de campanha.

Para piorar, seu caráter atrabiliário, seu personalismo destrambelhado, sua desconexão partidária e suas ideias socialmente divisivas provocam descrença na sua capacidade de articular pactos sociais e políticos necessários para aprovar reformas delicadíssimas.

Aspirante a herdeiro dos votos de Lula e, pois, a favorito, Fernando Haddad (PT) é um possível candidato de uma candidatura (programa) incerta.

Em pessoa sensato, Haddad por ora tem de escolher algum dos gatos do saco programático petista, que, em economia, vão do fraco ao lunático, mistura "vintage" do PT pré-2002 com as modas de Dilma Rousseff. Vai se contentar com isso?

Quanto mais tarde tomar decisões, o PT mais próximo estará do estelionato eleitoral ou da ingovernabilidade pré-governo.

Em grau menor, Ciro Gomes (PDT) têm o mesmo ressaibo.

Marina Silva (Rede) conta com votos voláteis, um par de bons assessores econômicos, a simpatia da carreira íntegra e mais nada. Nem mesmo com crédito de que terá futuro: apesar do destaque nas pesquisas, o mundo político acredita que sua candidatura se dissolverá no ácido da campanha. Ainda é uma dúvida em uma incógnita.

Geraldo Alckmin (PSDB), em tese o ansiolítico perfeito dos donos do dinheiro grosso, de candidatura mais articulada, não mostrou como conseguirá votos do cidadão comum. Na prática, é o avesso da candidatura petista, com problemas de sinal trocado.

Note-se que tais críticas não pressupõem uma escolha programática única e correta, mesmo em economia. Os candidatos precisam é mostrar um programa coerente para a crise fiscal e condições políticas de implementá-lo.

Apesar do estreitamento de opções, mais escassas a cada ano desde 2013, ainda há alternativas, como por exemplo recorrer a mais ou menos impostos.

Mas, por ora, ainda ouvimos apenas conversas no salão de baile do Titanic.

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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