Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Evolução do número de casos diz pouco sobre avanço da epidemia

Crescimento menor pode ser ilusão; registro de mortes é mais preciso. Epidemiologistas pedem teste nacional

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A epidemia teria ficado um tico menos veloz no Brasil, como se ouve aqui e ali? Difícil saber. Para ter informação melhor, epidemiologistas pedem um teste nacional da doença, a exemplo do que será feito no Rio Grande do Sul.

Recentemente, o aumento do número oficial de doentes no Brasil, em particular em São Paulo, parece menos rápido. Mas é incerto se tal evolução é uma notícia positiva de fato.

O problema não seria apenas a subnotificação, mas a subnotificação crescente (cada vez mais casos deixam de ser registrados). Apenas pacientes com sintomas mais severos estão agora sendo testados. Os responsáveis pelos registros de doença estão sobrecarregados. O grande número de testes congestiona e atrasa o serviço dos laboratórios.

Os dados do número de mortes por coronavírus são menos imprecisos do que as estatísticas da evolução diária do número de casos confirmados da doença, dizem epidemiologistas.

“Para ser bem franco, não acredito em dados baseados em número de casos da doença. Não se trata de conspiração ou má-fé, de modo algum. O problema não ocorre apenas no Brasil. No caso das estatísticas de morte, os dados parecem mais fidedignos”, diz Pedro Hallal, epidemiologista e reitor da Universidade Federal de Pelotas.

“É de esperar subnotificação e atrasos, e também que essas taxas [de subnotificação] cresçam com o aumento da sobrecarga no sistema de saúde. [Mas] é de esperar também que as medidas de isolamento tenham um impacto na mesma direção, de diminuição do número de casos. Na China, o ‘lockdown’ teve efeito uns 12 dias depois do seu início”, diz Claudio Struchiner, médico, matemático, epidemiologista, professor da Escola de Matemática Aplicada FGV do Rio.

Como exemplo de problemas nos dados, Hallal cita números de letalidade (porcentagem de mortos entre os doentes), que variam muito de país para país. Menciona a Itália, em que a mortalidade, pelos dados oficiais, seria de 11,7% (de cada 10 doentes, pelo menos um morre).

“Estudos mais rigorosos que tenho visto chegam a uma taxa próxima de 1%”, diz. Nas contas deste jornalista, a Espanha teria taxa de letalidade de 8,7%; França, de 6,8%; Coreia do Sul, 1,7%. Alemanha, 1,1%. Brasil, 3,5%.

“O que esses números dizem? Que mais de 10% da população italiana pode morrer? Ou que existe uma enorme subnotificação, que o número de casos seja 10 vezes maior? As características locais, como falta de recursos ou planejamento, e da população local não explicam essa enorme diferença de letalidade [entre os países]. Há problemas nos números, e crescentes”, comenta Hallal.

Struchiner diz que trabalha em uma maneira de reduzir a “confusão” dos dados. “Em breve teremos dados de testagem [da população], que podem ajudar neste sentido. Por ora, uma alternativa seria focar na mortalidade, que é mais robusta”, diz.

Hallal coordena o primeiro grande levantamento da prevalência da Covid-19, uma pesquisa por amostragem com a qual se vai estimar quanto da população gaúcha foi contaminada e a evolução da doença no estado. O estudo que deve começar a partir deste final de semana.

“Precisamos de maneiras alternativas de monitorar a dinâmica de transmissão, com estudos específicos que possam fornecer fatores de correção [dos dados]”, diz Struchiner. O epidemiologista faz parte de um dos grupos que discutem a elaboração de testes nacionais, por amostragem, e os estudos que serão feitos com esses dados, cruciais para orientar as políticas de saúde (mais ou menos isolamento ou quando).

“Os dados que eles [grupo da pesquisa gaúcha e talvez nacional] irão coletar poderão fazer toda a diferença. Não temos saída [a não ser fazer a pesquisa, o ‘inquérito sorológico’]. Struchiner diz que “este isolamento não pode continuar por muito mais tempo”.

“Pode ser que tenhamos resultados melhores no Brasil. O país fez alguns preparativos ainda no início da epidemia”, diz Hallal. Para o pesquisador gaúcho, a observação do número de mortes mostra algum indício muito preliminar de desaceleração. “Subnotificação ou não, é melhor ter as taxas decaindo do que aumentando”, observa Struchiner.​

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