Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu petrobras União Europeia

Na crise de energia, Europa tabela preço, baixa imposto e dá dinheiro. E o Brasil com isso?

Países europeus intervêm e gastam mais do que o Brasil; economistas criticam medidas

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O governo francês tabelou o preço do gás, essencial para aquecer as casas no inverno, e limitou a 4% um reajuste da tarifa de eletricidade que seria de 35%. Foi em setembro de 2021, quando começava a crise mundial de energia, piorada pela Guerra da Ucrânia. Não parou por aí.

Algumas dessas medidas devem provocar perda de 8 bilhões de euros (R$ 43 bilhões) para a EDF, gigante francesa de energia. O governo tem 84% das ações da companhia. Lembra uma Petrobras?

Sindicatos dos trabalhadores da EDF foram à Justiça, sem sucesso, contra as medidas do governo, entre elas a obrigação de a EDF vender ainda mais energia abaixo de custo para concorrentes (era providência para atenuar o poder de mercado da empresa; agora, é meio de controle de preços).

três pistolas de bomba de gasolina, as duas da esquerda verdes e a da direita, cor de caramelo
Bomba de combustíveis em posto na cidade de Quimper, na França - Fred Tanneau - 8.jun.2022/AFP

Os sindicalistas dizem que o governo vai "arruinar a EDF". Temem que o endividamento ainda maior da EDF provoque o desmanche e a privatização da empresa na bacia das almas. São ironias dentro de ironias.

O presidente da EDF pediu que o governo recue. A EDF é uma empresa pública "a serviço do interesse geral", disse Bruno Le Maire, ministro da Economia, das Finanças e da Soberania Industrial e Digital (sic) de um governo tido como liberalizante. Ainda assim, Le Maire quer recapitalizar (colocar dinheiro) na empresa para diminuir o dano financeiro.

Como limitar o aumento de preços da energia?

Muitas medidas podem limitar o aumento de preços, aqui ou na Europa. A questão é saber quem paga a conta e quais são as consequências econômicas ou outras. Na maioria, as emendas são piores do que o soneto.

Nesta crise, governos europeus reduziram impostos sobre combustíveis e eletricidade, tabelaram preços, deram dinheiro para que seus cidadãos possam pagar as contas de energia, baratearam o transporte coletivo, aumentaram o valor de rendas mínimas e outros benefícios sociais ou bancaram a parte do preço dos combustíveis.

Nisso, Alemanha, França, Itália e Espanha gastaram até agora entre 1,2% do PIB e 2,3% do PIB. No Brasil, há estimativas de que a redução de impostos sobre energia custe por baixo 1% do PIB (R$ 90 bilhões) para a receita dos governos (federal e estaduais), mas ainda é cedo para fazer a conta.

A inflação da energia causa tensão política pelo mundo. A convulsão que se via no Brasil no final da semana passada era apenas mais grosseira, ignorante e demagógica.

Nem todos os países da União Europeia foram tão longe quanto a França, que tem tradição intervencionista e até abril tinha um presidente se batendo por uma reeleição difícil.

Emmanuel Macron já estava escaldado pelos protestos dos "Coletes Amarelos" de 2018-19 (detonados pelo aumento de impostos sobre combustíveis fósseis). O assunto da campanha foi a inflação, assim como será esse um grande tema aqui e nas eleições legislativas americanas de fins deste 2022, que podem transformar Joe Biden em um pato manco precoce.

O gasto dos países europeus em subsídios diretos e indiretos pode aumentar para 2% do PIB, em média, e ainda mais se a conta incluir despesas para diminuir a dependência de gás e petróleo russos. O plano europeu para atenuar a grande crise financeira que começou em 2008 recomendava um estímulo fiscal (gasto público) de 1,5% do PIB. As informações são do "think tank" europeu Bruegel.

O Bruegel e quatro "think thanks" europeus associados dizem que as despesas com a crise de energia ora variam de 0,1% a 3,6% do PIB em cada país, assim como são díspares as providências para aliviar a crise de energia.

Apenas 6 países da União Europeia criaram impostos sobre lucros extraordinários das empresas de energia, 4 tabelaram preços de estatais e 2 intervieram em preços de atacado —Espanha e Portugal tabelaram o gás. Alguns, como Alemanha e Itália, têm planos maiores de reforma do setor de energia.

Os "think tanks", a OCDE e o grosso dos economistas recomendam que as medidas contra a crise devem se concentrar em transferências de renda para os mais afetados pela carestia e nunca bulirem com preços.

Limitar preços estimula consumo de bem escasso e, no caso, poluente; desestimula investimentos em aumento de capacidade e alternativas energéticas. Além do mais, o tabelamento ou subsídio geral são iníquos, pois indiscriminados: beneficiam também ricos em um mundo de penúrias aumentadas.

No médio prazo, enfim, as medidas em geral seriam insustentáveis porque aumentam a dívida dos governos.


E o Brasil com isso?

Para começar, o que deveria ser um debate é um chorrilho de asneiras e mentiras atrozes. O presidente da Câmara e poderoso centrão de Jair Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL) tuitou na sexta-feira que o preço das ações da Petrobras derretia porque a empresa aumentou seus preços.

Para continuar, tenha-se alguma noção de valores envolvidos nesta conversa. O Brasil consome por ano 64,5 bilhões de litros de diesel e 41,4 bilhões de litros de gasolina. Baixar em R$ 1 o preço do litro desses combustíveis custa, pois, uns R$ 106 bilhões por ano. Foi o lucro (excepcional e transitório) do ano passado da Petrobras, que tem cerca de 80% do mercado desses dois combustíveis no país.

Quem pagaria a conta dessa mera redução de R$ 1? Pode ser a Petrobras. A empresa ficaria sem dinheiro para investir (aumentar a produção) e perderia crédito. O derretimento das ações da empresa é isso: perda de crédito (com alta do seu custo de financiamento).

Se a Petrobras não investir em mais produção, o governo pode colocar dinheiro na Petrobras. Faria mais dívida, ao custo de ao menos 13,25% de juros ao ano. Haveria emprego melhor dos recursos, ainda mais agora, quando a miséria foi ao maior nível em 15 anos e não há dinheiro para investimento em obras, expansão do SUS ou ciência. Por falar nisso, o governo da França paga 2,2% e o da Alemanha 1,7% ao ano para empréstimos de 10 anos.

O Brasil produz apenas cerca de 70% do diesel e da gasolina que consome. Com preço tabelado abaixo do valor mundial, não haverá importação. Vai faltar.

Um imposto sobre os lucros "extraordinários" distribuídos pela Petrobras (dividendos) poderia, porém, bancar alguns centavos da redução de preços (ainda com consequências daninhas, como sabem os sindicalistas franceses, da EDF).

Na sexta-feira, Olivier Blanchard, professor do MIT, um cardeal entre os economistas e "ortodoxo" com uma pitada de tomilho francês, escreveu no Twitter, sem mais, que imposto sobre lucros extraordinários "não é errado".

Se o lucro sumir e empresas ficarem em dificuldades, o governo deve bancar a perda? Empresas de outros setores não teriam lucros extraordinários (Big Tech? Big Pharma? Big Finance?)? A inflação de muitas comidas foi bem maior do que a de combustíveis (vide gráfico) e mesmo a de bens industriais aumentou no Brasil. É preciso subsidiar a comida? Tributar empresas do setor, à la Argentina?

É preciso subsidiar os pobres. Suponha-se que o governo bancasse a conta daquela redução de R$ 1 no diesel e gasolina: R$ 106 bilhões, por ano. O Auxílio Brasil alivia a fome de uns 50 milhões de pessoas com R$ 89 bilhões por ano.

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