Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu inflação

Baixaria da gasolina ignora baixaria dos pobres que vivem com R$ 39 por mês

Desconto de combustível ocorre durante maior aumento da miséria em uma década

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Talvez eu possa passear de carro com gasolina mais barata em julho, digamos. Nas madrugadas, a temperatura mínima tem andado por volta de 7º aqui na cidade de São Paulo. Em julho, não deve ser muito diferente. Do carro, vou passar mais rapidamente pelos montes de pessoas largadas pelas calçadas geladas e molhadas de chuvisco. Algumas talvez já mortas.

Jair Bolsonaro chutou que o litro de gasolina vai ficar R$ 2 mais barato quando for aprovado o pacote de redução de impostos que ele e os chefes do poderoso centrão inventaram para ganhar uns pontos nas pesquisas. O litro do diesel baixaria R$ 1.

Segundo o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), relator de parte desses projetos de lei, a baixa da gasolina seria de R$ 1,65 por litro; o litro do diesel baixaria R$ 0,76.

É tudo uma baixaria, mesmo.

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Motoristas fazem fila para abastecer em posto de gasolina em São Caetano do Sul (SP) - Rivaldo Gomes - 11.mar.2022/Folhapress

No ano passado, o rendimento dos 10% mais pobres do Brasil caiu 32,6% em relação a 2020. Foi ao menor nível em uma década, pelo menos. Equivalia a R$ 93 por mês. Parte dessas pessoas vive na calçada gelada.

Os governos vão deixar de arrecadar algo em torno de R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões na temporada estelionatária de descontos eleitorais de impostos, em particular sobre combustíveis. Um Auxílio Brasil custa R$ 89 bilhões por ano. Mas talvez o combustível nem fique tão mais barato assim.

O preço da gasolina da Petrobras não aumenta desde 11 de março. Desde então, o preço desse combustível no mercado externo relevante para o Brasil aumentou em cerca de 12%, pelo menos (preços em reais). A diferença entre o preço no Brasil e o internacional seria de algo em torno de R$ 1 (as contas variam).

O governo faz pressão para a Petrobras não reajustar preços. A coisa está ficando vexaminosa. Se o dólar continuar a encarecer, pior ainda.

Não sabemos para onde vai o dólar. As previsões são muito furadas. Mas há um (ainda) ligeiro tumulto no mercado financeiro internacional por causa da inflação americana e do aumento da taxa de juros por lá, que pode balançar ainda mais a economia mundial, em especial o barquinho brasileiro.

Estamos em um barco furado na direção de tempestades. Preços de combustíveis e eletricidade, talvez de comunicação e transporte coletivo em baixa devem conter um pouco da inflação deste ano —os chutes dos economistas ainda são díspares. A volta de alguns impostos em 2023 vai elevar certos preços. A inflação do ano que vem deve ser mais alta, bem acima da meta. Os juros ficarão altos por mais tempo.

Essa gentalha no poder bananiza ainda mais o país, já em descrédito por uma década de regressão econômica e selvagerias amazônicas, Amazônia aliás entregue a facções criminosas, garimpo e agricultura ilegais, além de carteis mundiais de drogas. As Forças Armadas não se batem pela soberania nacional na floresta? Ou ficam jogando peteca na praia do Rio?

Agora, esse monte de truques e trambiques econômicos, piorados desde 2021, vai desacreditar ainda mais este lugar. Descrédito tem preço: juros mais altos.

Pode ser de resto que o truque eleitoreiro nem renda muito voto.

Ainda que em baixa provisória, a inflação deve ficar na casa de 10% ao ano até setembro, por aí. O valor do salário mínimo, do piso dos benefícios da Previdência e do Auxílio Brasil vão estar perdendo quase tanto poder de compra: 10% menos de um rendimento mínimo.

Há casos piores. No ano passado, o rendimento dos 5% mais pobres do Brasil era 48% menor do que em 2012. Na casa dessas pessoas, o rendimento médio mensal por cabeça era de R$ 39 em 2021. Menos de 6 litros de gasolina. Talvez seja o suficiente para alguém se imolar em desespero terminal.

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