Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Bolsonaro, a era das trevas de 2018-2022 e depois

Refazimento do país não depende só de coalizão ampla, mas de invenção de novos atores políticos

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Aos trancos e barrancos, formou-se uma frente de apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não era a "frente ampla". É uma frentinha, até porque não havia como fazer mais. Não há partidos ou movimentos sociais e políticos grandes e organizados que pudessem se aliar a Lula, mesmo que Lula e o PT tivessem feito um esforço mais intenso de firmar alianças.

Seja qual for o resultado da eleição, a situação política depois dos anos de catástrofe e trevas (2018-2022) será um problema grave, tanto para um governo prestante ou, no caso de acontecer o pior, como para uma tentativa de evitar o desfazimento autoritário do país.

Jair Bolsonaro durante campanha em Nova Jerusalém, 40 km from Brasilia - Evaristo Sá - 24.out.22/AFP

A frente eleitoral pró-Lula é precária principalmente porque não havia partidos para uma aliança que fosse além da esquerda ou similar (toda de partidos muito pequenos ou minúsculos). A maioria do Congresso é de partidos compostos de gente de extrema direita, direita dura ou direita negocista.

O centro, algo como o velho PSDB e aliados próximos, evaporou. Além da esquerda, os aliados políticos ou parlamentares de Lula são lideranças regionais, que aderiram por interesse eleitoral imediato (Nordeste) e também orientado por decisões relativas a disputas de oligarquias locais. Há até gente do PP e do PL circunstancialmente pró-Lula.

Simone Tebet juntou-se a Lula mas não é o MDB (ninguém é o MDB, ora também pequeno), embora possa ser uma líder da reinvenção centrista. Levou consigo muitos dos seus quadros e partidários qualificados. Outros, algo parecido com a velha guarda tucana, também aderiram, assim, como a elite econômica civilizada.

Embora Tebet e essas pessoas sejam apoio importante, em especial porque qualificado, não são partido e nem mesmo um movimento organizado e duradouro.

Mas, caso eleito, Lula poderia contar com essas pessoas se fizesse oferta clara, mais ou menos explícita, de aliança. Pode ser embrião de algo maior e até facilitar acordos no Congresso, onde a vida será mais difícil.

O negocismo leva muito parlamentar a aderir a governo, óbvio. No entanto, este Congresso tem muito parlamentar comprometido com seu eleitorado conservador, reacionário ou francamente antidemocrático. Assim, um projeto de conciliação (não significa concessão sem mais), de pacificação e de acordos sociais e programáticos extra-Congresso torna-se mais importante.

Pacificação e estabilização deveriam ser os motes do governo, da política à economia. Há muito trabalho urgente de reconstrução. Procuradoria-Geral, Receita, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Polícia Federal, órgãos ambientais, educação, diplomacia, Forças Armadas, proteção de "minorias", quase tudo precisa de refazimento. O SUS precisa de reforma e ampliação urgentes.

Não vai ser possível dar início ao processo de isolamento dos adeptos do projeto autoritário se não houver paz entre as pessoas de boa vontade, estabilização, refazimento e volta do crescimento.

É muito difícil, hoje, imaginar como pode se aglutinar um grupo centrista, quiçá um partido, mesmo reformando uma legenda existente. Falta gravidade para juntar os pedaços: perspectiva de poder, nomes de peso na articulação, líderes, movimento social importante que o impulsione.

Um governo Lula esperto poderia até dar um auxílio para a formação desse aliado, por meio de interlocução privilegiada, agregação de quadros e compartilhamento de poder. A perspectiva é ruim, pois a ultradireita é um partido grande e socialmente enraizado. Sobra pouco espaço no meio.

No entanto, é difícil imaginar outro caminho de refazimento do país. Um eventual governo Lula terá não apenas de juntar uma frente ampla. Terá de ajudar a inventa-la.

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